Há quem defenda que empreender é uma arte. Por mais ciência envolvida, sobretudo para o desenvolvimento e aprimoramento dos processos e na avaliação dos dados para a definição das melhores soluções e alternativas, há sempre aquele toque, aquele tempero muito particular que faz toda a diferença. No entanto, não basta apenas uma ideia inovadora, é preciso fazer dar certo. Agora, quando o negócio encontra seu espaço na instável maré desse nosso mercado brasileiro, quando a embarcação, por assim dizer, já está sólida para enfrentar tempestades de toda sorte, é hora de encarar mares nunca dantes navegados.
Essa nova travessia recebe o nome de franchising. É quando o negócio está apto e formatado para ser replicado por novos empreendedores que vão ter o compromisso de manter os atributos da marca, em produtos, serviços e relacionamento com os clientes. Apesar da crise econômica, decorrente da pandemia, o mercado do franchising segue aquecido em Caxias do Sul. Um dos defensores dessa tese é Gilmar Gianni, professor e consultor de empresas franqueadoras desde 2009.
– A pandemia produziu uma ameaça. Muita gente boa foi desligada dos seus empregos. Outros, entenderam que é hora de tentar montar seu negócio para não ficar à mercê da instabilidade que enfrentamos em nosso país – revela Gianni.
O consultor, inclusive, brinca no bom sentido, que tem sugerido esse tipo de investimento até a amigos seus.
– Cada vez mais, as pessoas estão preferindo investir em um negócio já constituído. Eu indico para os meus amigos, para que pensem na possibilidade de abrir um negócio, não do zero, mas em parceria com uma franqueadora. Olha, vou te dizer, tem gente me agradecendo viu – conta Gianni.
O franchising é um mercado robusto no Brasil. Apenas no último trimestre de 2020, movimentou R$ 53,976 bilhões. Esse dado representa 28% a mais do que o registrado no terceiro trimestre, quando o país voltava a acelerar. Apesar de março deste ano ter sido o mês de maior impacto, até agora, seja em número de mortes e em uma série de restrições que atingem em cheio o franchising, o setor está otimista para fechar 2021 em alta.
Conforme pesquisa publicada pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), os empresários projetam crescimento no número de suas redes franqueadas em 2%, em número de unidades em 5%, faturamento de 8% a mais e aumento de 5% no número de ofertas de emprego.
Antes e depois da Croasonho
Gianni foi franqueado da Flytour Viagens por 17 anos. Aliás, foi o primeiro parceiro franqueado da agência no Brasil. Em 2009, o empresário, que já era professor universitário, decidiu replanejar o futuro. Abriu mão da carreira no turismo e passou a dedicar-se à formação para vir a ser consultor em franchising. No meio do caminho, dessa nova fase, Gianni encontrou dois jovens empreendedores e sonhadores, Eduardo Silva e Gustavo Susin.
– Meu primeiro cliente foi a Croasonho. Fiquei com eles por 10 anos, trabalhando como consultor. Foi um empreendimento muito bem sucedido, tanto é que a rede caxiense foi negociada com uma holding de São Paulo. Na época, eles estavam com 85 lojas. Na minha opinião, o negócio de franchising em Caxias tem como grande divisor de águas a Croasonho. Antes, o franchising não era um tema sequer debatido em Caxias, até pela inexistência de uma grande rede franqueadora local – defende Gianni.
Mais do que baristas, empreendedores
“Como eu ensino as pessoas a ter um negócio de sucesso como eu tenho hoje?”. Mais do que um pensamento de inquietude, esse é o propósito da caxiense Fabíola Coppi Fadanelli. Dentre os entrevistados dessa reportagem, ela é a mais jovem empreendedora. Aos 29 anos, formada em administração com MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas, a CEO da Dulce Amore – Confeitaria Fina comemora a abertura da primeira franquia.
Fabíola começou a desenvolver a ideia em 2018, a partir das experiências de sete anos, desde que inaugurou sua primeira loja, em frente ao Forum. Depois de atender aos mais diversos públicos (A, B e C), em pontos diferentes da cidade, com pesquisas de imersão, inclusive nos Estados Unidos, o maior consumidor de café do mundo, foi que a empreendedora formatou um modelo de franquia chamado Dulce Amore Urban Coffee.
– Quando iniciamos o projeto, ainda não existia a pandemia, mas entendíamos que esse “pegar para levar” já seria uma tendência. Quando chegou a pandemia, sempre tem os que choram e os que vendem lenço, então, foi a minha hora de pegar a caixinha de lenços e distribuir. A pandemia vai passar, mas as experiências de consumo vão ficar. E uma delas vai ser o sucesso da janela – diz, referindo-se ao seu modelo de negócio, em que o cliente compra café através de uma janela.
O investimento inicial fica em torno de R$ 110 mil, com salas de cerca de 15m². Com essa estrutura, diz a franqueada, é possível atender 3 mil pessoas por mês. A primeira unidade foi inaugurada há um mês na Rua Pinheiro Machado, em São Pelegrino. A franqueada Aline Cristina Pena, paranaense, há cinco anos em Caxias, não tinha experiência, mas se diz satisfeita com o resultados dos primeiros 30 dias.
– Quando pensei na ideia de franquia, pensava no acompanhamento bem próximo. E nesse primeiro mês, não tem um dia em que não penso: “Está acontecendo igualzinho ao que ela me falou!” – valoriza Aline, formada em Gestão de Recursos Humanos pela FSG.
Mais do que a transferência de conhecimento, o sistema de franquias tem como missão gerar uma onda de novos empreendedores.
– Não queremos transformar as pessoas em baristas, mas em empreendedoras – diz Fabíola.
Escola pet conquista o rei das franquias
Em 2011, a empresária mato-grossense Deyzi Carvalho resolveu criar um salão pet, em Caxias do Sul. Ávida por novas técnicas, Deyzi acumula mais de 100 especializações em estética pet. Além de transferir esse aprendizado para a sua equipe a fim de padronizar o seu serviço, a empreendedora acabou sendo surpreendida. Até mesmo os concorrentes procuraram Deyzi para que ela formasse as equipes de outras empresas do mesmo setor. Foi aí que surgiu a ideia de criar uma escola para formar novos profissionais, a Pit Grooming Pet&School.
– Essa foi sem dúvida a nossa guinada no negócio. Porque vimos que não tinha nenhuma escola especializada em pet aqui na Serra. E acabou servindo também para otimizar melhor nosso espaço, porque no início da semana temos um déficit de clientes. Nosso formato é assim agora, nas segundas, terças e quartas-feiras, a ênfase é na escola, com cursos de formação. E nas quintas, sextas e sábados, é salão pet – explica Deyzi Carvalho, 34, graduada em Gestão Financeira.
Há quatro anos, a empreendedora decidiu iniciar o processo de aprimoramento dos processos e também de formatação no negócio, com o objetivo de preparar a empresa para ser franqueadora. Isso só foi possível, revela Deyzi, porque a escola tinha sua metodologia própria. Todo esse minucioso trabalho acabou por ser agraciado, no final do ano passado, com um investimento de R$ 500 mil por meio do programa de televisão Shark Tank Brasil. A empreendedora apresentou a sua ideia e o tubarão rei das franquias, em alusão ao nome do programa, Carlos Semenzato acabou comprando 40% do seu projeto de franquias.
– Estamos agora na fase de mudar o formato da empresa, porque envolvem questões burocráticas. A partir de junho e julho, vamos começar com as expansões. O investimento mesmo, de R$ 500 mil, deve ocorrer agora em abril, quando vamos formalizar o contrato de sociedade – revela Deyzi.
A empreendedora diz que há 38 pets em negociação, cuja maioria dos investidores é da Região Sul e apenas três do Mato Grosso.
De grão em grão, já são 16 franquias
Quem entra em uma das unidades da Tudo em Grãos é, de certa forma, transportado para aqueles antigos armazéns de secos e molhados tradicionais aqui da região da Serra. Mas a roupagem é de uma boutique. Cada uma das lojas vende cerca de 200 itens, a granel, além de um mix de produtos de composição orgânica, integral, sem glúten ou sem lactose. Esse modelo de negócio tem despertado o interesse de novos empreendedores identificados com a alimentação natural.
– O perfil ideal de franqueado é aquele que vai atuar diretamente na operação. Nos procura também o investidor, que deseja colocar uma equipe para trabalhar, e também é viável, mas temos receio, porque nosso negócio depende muito do relacionamento com o cliente. Pela nossa experiência, a loja vai além quando tem o franqueado atuando no balcão – argumenta o contabilista Alex Xavier, 39, idealizador da Tudo em Grãos, ao lado de Ana Carolina Bortolini.
Independente do cenário de crise, a meta da rede é crescer de grão em grão e com solidez. Nos próximos três anos, o objetivo é abrir, anualmente, de 4 a 5 novas unidades. Com investimento entre R$ 200mil a R$ 250mil, a Tudo em Grãos inaugurou a sua primeira franquia em 2015. Atualmente a rede tem 3 unidades próprias e 16 franquias, sendo 3 delas em processo de montagem, que foram negociadas durante a pandemia.
– O nosso mercado ainda sofre com as oscilações políticas, de gestão da pandemia, ou mesmo com o agravamento dos casos, porque acaba diminuindo o fluxo de pessoas nas lojas. Mas, quando comparamos com outros concorrentes do mercado de não-essenciais, percebemos que nosso negócio se mantém forte e relevante – reconhece Xavier.
Até o final do ano, o plano é inaugurar 15 unidades por mês
A Engenharia do Corpo desafiou o mercado das academias no Brasil. Mesmo em meio à crise, o plano é inaugurar 15 novas unidades, em média, por mês, e chegar a 200 até o final deste ano. A expansão tem sido rápida, porque a primeira franquia foi aberta em 2018. Atualmente há 56 academias em operação no país e contratos em pré-venda. Um dos trunfos, acredita o caxiense Alexandre Zanella, de 41 anos, CEO da Engenharia do Corpo, é o tempo de retorno do investimento.
– O nosso pay back (tempo de retorno de um investimento) é de até 12 meses. Há concorrentes nossos que prometem um retorno depois de 70 meses – afirma Zanella.
Outro diferencial, e que diz muito sobre o perfil de novos franqueados, é o sistema de sociedade firmado entre a franqueadora e os franqueados.
– Como temos a expertise do negócio, entramos com 50% da sociedade e o franqueado com os outros 50%. Esse é um modelo híbrido que adotamos em todas as academias. Nós administramos a unidade, realizamos o treinamento e colocamos nosso gerente na franquia. Se o franqueado não quiser participar do dia a dia do negócio, não precisa. Porque é de nosso interesse que dê certo, porque somos sócios – explica.
Para adquirir uma unidade, o franqueado investe a partir de R$ 450 mil, que pode ser financiado em até 24 meses. Zanella revela que 95% dos franqueados são de profissionais liberais e empresários, que não querem perder energia no cuidado desse negócio.