
Se o litro da gasolina beirando os R$ 6 já pesa no bolso de qualquer consumidor, o impacto é ainda maior para quem atua de forma autônoma no ramo de transporte. Motoristas de aplicativo, motoboys e caminhoneiros têm visto a renda mensal cair em 2021 com a alta dos combustíveis somada ao reajuste de outros insumos. Diante desse cenário, a saída tem sido encontrar meios de garantir os ganhos e dar conta do aumento no custo de vida. E a principal forma de superar as dificuldades tem sido a ampliação na jornada de trabalho.
Profissionais que antes cumpriam cerca de oito horas diárias agora precisam de pelo menos 12 horas para terminar o mês com a mesma faixa de renda. O principal vilão é a gasolina, que acumula alta de 46,19% desde o início do ano, mas o aumento da alimentação e da manutenção dos veículos, por exemplo, também contribuem para o cenário desafiador.
Motorista de aplicativo há três anos e oito meses Maiquel Borba, 38 anos, já cogita abandonar o ramo. O reajuste expressivo do combustível em 2021 tornou mais difícil obter ganhos em uma atividade que nunca teve reajuste tarifário desde que surgiu na cidade. A decisão de quanto cobrar por cada corrida cabe às plataformas, mas o custo de operação é dos motoristas. Até mesmo o desconto de tarifas promocionais são arcados pelos condutores, o que gerou uma manifestação no último dia 17.
A viabilidade do trabalho só é possível, segundo Borba, porque alguns postos dão até 5% de desconto para quem é do ramo. E para manter os ganhos, que chegam a 50% da renda familiar, o motorista chega a trabalhar a 14 horas em alguns dias, contra a média de oito horas no ano passado.
— Para nós esses últimos aumentos foram para repensar em continuar na profissão ou não. Se continuar subindo dessa maneira não teremos como manter o trabalho. Estou encaminhando novos projetos, porque está cada vez mais difícil — projeta.

Rodolfo Pereira Valim Júnior, 36, também precisou ampliar a jornada como motoboy para dar conta dos custos. Antes dos reajustes, ele trabalhava cerca de sete horas diárias divididas em dois períodos. Agora, realiza entregas em período integral, da manhã à noite, praticamente todos os dias. Os principais clientes são restaurantes, escritórios, empresas e farmácias.
— Trabalho da manhã à noite de segunda a segunda e de madrugada também para conseguir manter a família, porque não está fácil. Pegamos bastante dinheiro, mas como tudo está caro, não vemos a cor. Além das minhas contas mensais com família e despesas pessoais, tenho a prestação da minha moto e toda manutenção e combustível. Do que faturo, de 25% a 50% é para manutenção e parcela do veículo — revela.
Para complementar a renda familiar, Valim também aproveita os poucos momentos livres para vender roupas e até atuar como pintor, uma das profissões que exerceu entre 2009 e 2016, período em que deixou de ser motoboy.
— De quatro anos para cá tudo subiu, não só o combustível, mas também vestuário, alimentação. Todo mundo está sentindo isso — destaca.
Anotações ajudam a economizar
Os caminhoneiros são outra categoria que sofre diretamente os efeitos do reajuste dos combustíveis, no caso o diesel. O óleo tem aumento acumulado de 41% em 2021 e chegou a passar dos R$ 4 em alguns postos de Caxias. Apesar disso, Gilberto Panisson, 55, não considera esse o principal vilão do momento. Com um rigoroso controle de cada centavo gasto, o caminhoneiro sabe que, assim como paga mais caro pelo litro agora, já pagou mais barato em 2020, quando a pandemia derrubou o preço nas bombas. As anotações também facilitam na hora de identificar postos mais vantajosos e de reduzir outros custos, como manutenção e alimentação.
Nas viagens entre Caxias do Sul e o Espírito Santo, que realiza a cada duas semanas, Panisson já identificou no caminho os pontos mais vantajosos para parar e repensa a estratégia sempre que acha necessário.
— Os valores começaram a aumentar nessa viagem de agora (metade de março). Não vou levar muito em consideração porque sei que vai baixar. Ninguém reclamou quando baixou. Tenho sentido o peso, mas não compromete o trabalho porque faço negociação e busco o mais barato. Está viável, mas tem que pesquisar — recomenda.
Se o combustível é um problema de menor impacto, o mesmo não se pode dizer da alimentação e da manutenção. Conforme Panisson, um almoço que antes custava R$ 15 agora sai por R$ 32, assim como um conserto de pneu subiu de R$ 30 em 2015 para R$ 80 neste ano. Para reduzir o custo, o caminhoneiro tem levado a própria refeição e pesquisado restaurantes mais em conta.
— O diesel está caro, mas não vivemos só de diesel. Vivemos de mecânica e borracheiro. Tem que ser debatido quantas pessoas alimentamos na beira da estrada (movimentando a economia) — observa.
Melhorar eficiência é o caminho
Para a economista Maria Carolina Gullo, apesar do aumento na jornada ter sido a opção de muitos motoboys e motoristas de aplicativo, não é medida mais lucrativa. Isso porque ela aumenta os ganhos, mas também os custos de operação, já que o veículo roda mais. A principal dica para ganhar mais dinheiro diante do cenário atual é tentar melhorar a eficiência para economizar combustível.
— A gasolina, sem dúvida, é o maior custo que eles têm, é a matéria-prima. Com o aumento de jornada, na verdade, eles estão trocando seis por meia dúzia. No caso dos motoboys, o veículo é barato e com custo mais baixo para manter. Talvez seja o caso de otimizar as entregas, fazer uma viagem para entregar encomendas em locais próximos, por exemplo. Ele pode tentar economizar em outros custos, mas são muito baixos comparados ao combustível — aponta.
A economia nos trajetos também pode ser uma alternativa para motoristas de aplicativo, que também podem economizar em manutenção mantendo o veículo sempre em dia. Para economizar em combustível, a principal alternativa pode ser o Gás Natural Veicular (GNV), para quem pode pagar pela conversão. Sem redução nos custos operacionais nem reajuste nas tarifas das plataformas, a tendência é de que os profissionais precisem selecionar as corridas mais vantajosas.
Com o aumento de jornada, na verdade eles estão trocando seis por meia dúzia.
MARIA CAROLINA GULLO
Economista
— Acaba que o consumidor também paga o pato. Já está difícil conseguir corridas entre cidades, como Caxias e Farroupilha, por exemplo.
O transporte por caminhão apresenta o cenário mais desafiador por representar o principal modal logístico do país. Dessa forma, o aumento nos custos desse tipo de transporte também reflete nos preços dos produtos. Segundo Maria Carolina, a saída mais viável para quem tem perdido renda devido ao aumento de custo será escolher o melhor frete sempre que possível.
— O aumento consecutivo vai tirando margem de retorno e inviabilizando o negócio. O caminhoneiro vai tentar escolher o melhor frete, mas nem sempre é possível porque ele precisa trabalhar. Dependendo do tipo de produto, nem sempre tem frete no retorno e o custo recai sobre o caminhoneiro — lembra.
Apesar do grande aumento acumulado, a gasolina teve a primeira baixa no ano no fim da semana passada. O recuo ocorreu devido à queda do dólar causada, principalmente, pelo aumento da taxa Selic e também pelo recuo do petróleo no cenário internacional. De acordo com Maria Carolina, se esse cenário se manter, a tendência é de queda do valor praticado nas bombas.
— O mundo perfeito seria o dólar voltar para a casa dos R$ 4 ou perto dos R$ 5, o que não tem previsão, e a manutenção do petróleo no Exterior.