Nos últimos anos, os trabalhadores formais de Caxias do Sul vêm migrando para faixas salarias menores. Historicamente, o maior grupo de assalariados recebe entre dois e quatro salários mínimos. Esse dado pode ser conferido na tabela ao lado, em relatório elaborado pelo Observatório do Trabalho, a partir das informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia. Em 2019, no entanto, observa-se o crescimento do número de trabalhadores que recebe entre um e dois salários mínimos, aproximando-se desse grupo majoritário.
Essa dinâmica tem se acentuado entre 2018 e 2019, quando ocorreu um aumento de 9,23% do número de empregados que recebem entre um e dois salários mínimos, em Caxias. Enquanto que, no mesmo período, ocorreu uma queda de 11,78% das pessoas com rendimento entre dois a quatro salários. Ao mesmo tempo em que os trabalhadores formais têm perdido seu poder de consumo, ocorre um aumento sistemático e acentuado de preços, como da cesta básica.
Em Caxias, a cesta contempla 47 produtos, escolhidos a partir do perfil de consumo do caxiense, com itens como salame, pão e massa caseira e capeleti. Para comprar a cesta, em janeiro deste ano, o consumidor precisou desembolsar R$ 989,51, um aumento de 9,62% em relação ao mesmo período de 2020. Em 10 anos, a cesta subiu 80,29%. O cálculo é do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS, que analisa e colhe as informações mensalmente.
No mesmo período, o salário mínimo sofreu reajuste de 99%, saindo de R$ 510, em 2010, para R$ 1,1 mil, válido desde 1º de janeiro deste ano. Conforme a Constituição, o salário mínimo deve ser “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Mas será que o consumidor, na hora de pagar a conta do supermercado, realmente percebe esse aumento como um ganho real?
Pensando nesse cenário é que o economista, professor e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS, Mosár Leandro Ness, defende o valor de R$ 5.559,30 como um rendimento ideal para que um casal com dois filhos possa viver em Caxias do Sul, tendo atendidas, assim, suas necessidades básicas. Para Mosár, esse é o custo básico de se viver em Caxias do Sul.
"Tenho de matar um leão por dia", diz pedreiro
A estatística nem sempre consegue dimensionar a vida como ela é. O casal Fernando Guimarães Ribeiro e Marlei Borges Luiz, moradores do bairro São Caetano, não têm registro em carteira de trabalho. Marlei sempre foi vendedora autônoma. Fernando diz que seu último registro foi no tempo em que era um jovem, chegando de Bom Jesus.
— Sempre fui vendedora. Mas, como tenho artrite reumatoide (doença inflamatória crônica, autoimune), não consigo trabalho de carteira assinada. Faço acompanhamento com o médico a cada três meses. Só que o SUS não fornece a medicação — revela Marlei, 50 anos.
— Cada caixa custa R$ 156 e dura 30 dias — diz Fernando, 35.
Nessa pandemia, as vendas de roupas andam tão fracas, resigna-se Marlei, que não dá sequer para contar no orçamento do mês. Apensar das dificuldades, ela ainda sonha montar um salão de beleza na garagem de casa:
— Por enquanto ainda não deu...
O casal revela que seu atual rendimento provém do aluguel da parte de baixo da casa onde mora, que é própria, e também de um apartamento, herança que Fernando recebeu. Somados os aluguéis, recebem R$ 900. E, por conta da adoção de uma menina, que é sobrinha de Marlei, eles têm direito ao benefício de guarda subsidiada, no valor de um salário mínimo. Além da menina, de sete anos, mora com eles o filho do primeiro casamento de Marlei, um adolescente de 16 anos.
— Eu sou pedreiro. Eu ando fazendo bicos com o meu cunhado. Um reboco aqui, troca de janela ali, colocação de um piso e por aí. É uma luta, sabe. Tenho de matar um leão por dia — explica Fernando.
Com a renda mensal revelada à reportagem, o casal estaria contemplado na estatística de um trabalhador formal, que recebe até dois salários mínimos. No entanto, Fernando explica que ir ao supermercado, atualmente, tem sido frustrante.
— Há 15 dias, peguei R$ 500 e fomos ao mercado. Três dias depois, parecia que a gente não tinha comprado nada. A gente vive com pouco e tem de se virar com pouco — sentencia.
A fé, a esperança e o amor permeiam a vida de Fernando e Marlei. Apesar de tudo, acreditam que semear na vida dos filhos é seu maior propósito. Manu tem sete anos, mora há dois com o casal, e já sabe o que deseja ser quando crescer.
— Quero ser médica para curar as pessoas.
Em 10 anos, Cesta Básica aumentou 80,29%
A cesta básica em Caxias do Sul é calculada, mensalmente, pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS. Fazem parte da pesquisa 47 produtos, escolhidos a partir do perfil de consumo do caxiense. Por isso, fazem parte da seleção produtos como salame, pão caseiro, massa caseira fresca e capeleti.
O custo da cesta básica em janeiro deste ano ficou em R$ 989,51, um aumento de 9,62% em relação ao mesmo período de 2020. Se ampliarmos o tempo da pesquisa, podemos verificar que, em 10 anos, ocorreu um aumento de 80,29%.
Trabalhadores caxienses têm perdido sua renda ao longo dos anos
Em um relatório elaborado pelo Observatório do Trabalho da UCS, a partir dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia, é possível identificar o aumento da parcela da população caxiense com renda de até quatro salários mínimos. Em contrapartida, tem ocorrido uma diminuição da população com rendimento superior a 10 salários.
Em 2010, 5.321 dos trabalhadores formais recebiam a menor faixa salarial, de um salário mínimo. Enquanto que, em 2019, 9.782 pessoas se encontravam nessa categoria. Ou, seja um aumento de 83,8%.
Outra migração considerável se observa no perfil de trabalhadores que recebe entre dois a quatro salários mínimos, onde se encontra a maior parcela da população caxiense. Em 2010, 67.162 trabalhadores formais, ganhavam entre dois e quatro salários mínimos. Em 2019, essa parcela de empregados reduziu para 54.496 pessoas. Ou seja, um decréscimo de 18,8%.
Renda mínima de R$ 5.559,30
Economista, professor e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS, Mosár Leandro Ness defende o valor de R$ 5.559,30 como um salário ideal para que um casal com dois filhos possa viver em Caxias do Sul, tendo atendidas suas necessidades básicas.
Não se trata de especulação. Os parâmetros para o cálculo provém da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) que se referem ao consumo médio familiar. A amostra abrange 436 famílias residentes em Caxias. Nesse levantamento foi possível identificar qual é o percentual que uma família investe em cada um dos sete grupos de consumo.
Verifica-se, em Caxias, que uma família com até dois filhos gasta 18% do seu salário em alimentação. Sendo assim, Mosár explica que dividiu o custo da cesta básica, de R$ 989,51, conforme dados de janeiro de 2021, com o percentual de 18%, chegando ao resultado de R$ 5.559,30.
Confira a seguir, o cálculo do professor de economia, e os percentuais e custos de cada um dos sete grupos de consumo.
Mais de 60 mil pessoas estão no Cadastro Único
Conforme dados de outubro de 2020, mais de 60 mil caxienses fazem parte do Cadastro Único. Podem ser inscritas pessoas que ganham até meio salário mínimo ou famílias com renda mensal de três salários mínimos. Em março de 2020, Caxias tinha cerca de 14 mil registros. O aumento é de 371%.
A população alvo do programa é constituída por famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, explica Rafael Zucco, diretor de Gestão e Benefícios Assistenciais e Transferência de Renda da Fundação de Assistência Social (FAS).
— O cadastro é um pré-requisito, mas não implica na entrada imediata das famílias no programa, nem no recebimento do benefício. Mensalmente, o Ministério da Cidadania seleciona de forma automatizada as famílias que serão incluídas para receber o benefício — explica Zucco.
A presidente da FAS, Katiane Boschetti da Silveira, argumenta que a pandemia tem influenciado no aumento da pobreza. Para ela, a situação deve se agravar com o fim do auxílio emergencial e a solução está na transversalidade das políticas públicas.
— A menor renda por família tem resultado, sim, em um maior número de pessoas no Cadastro Único. Por isso, cresce a importância das políticas públicas unificadas e transversais. Porque a família que vem para a assistência vai precisar também ter acesso a outras políticas para que ela tenha o que chamamos de emancipação social — defende Katiane.
Em Caxias do Sul, há ainda 8.752 beneficiários do Bolsa Família, conforme dados de janeiro deste ano.
— Para ingressar no programa, a família deve estar no Cadastro Único. As extremamente pobres têm renda mensal de até R$ 89, por pessoa. As pobres são aquelas que têm renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178, por pessoa — diz Katiane.
Assistência Social em Caxias do Sul
Número de pessoas registradas no Cadastro Único*: 66.214
Beneficiários do Bolsa Família**: 8.752
Fonte: Fundação de Assistência Social (FAS). *Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico (Cecad), de outubro de 2020. ** Dado referente à janeiro de 2021.