Apesar de ainda estar longe do que era antes da pandemia, o universo das pequenas e micro empresas gaúchas dá sinais que podem ser interpretados como o início de uma retomada. De acordo com levantamento recente do Sebrae RS, realizado entre 3 e 16 de agosto, 87% das empresas consultadas estão funcionando. As outras 13% estão impossibilitadas de abrir devido, principalmente, à natureza da atividade ser presencial e pelos decretos municipais. Das que estão funcionando, 38% têm estrutura adaptada e outras 35% mantêm o formato, sem alterações.
O faturamento é outro ponto que demonstra reação: para 12% das empresas entrevistadas, aumentou — em julho, 8% delas sinalizavam crescimento. As empresas de pequeno porte (EPPs) são as que registraram maior percentual de faturamento, 15%. Dos segmentos, o melhor desempenho é no agronegócio, com 25% de aumento no faturamento, seguido do comércio, com 14%.
Embora os números sejam aparentemente animadores, o diretor-superintendente do Sebrae RS, André Vanoni de Godoy, prefere analisá-los com cautela. Segundo ele, os indicadores ainda precisam melhorar.
— Melhorou bastante, mas ainda não está bom. As empresas não estão funcionando na plenitude da sua capacidade. Os protocolos limitam o seu funcionamento. (A situação) ainda é preocupante — frisa.
Para Godoy, a volta à "normalidade" é fundamental para que os números se restabeleçam. Mas enquanto o cenário ainda é de incertezas quanto ao coronavírus, as empresas devem continuar se reinventando como forma de se manter no mercado. Estreitar ainda mais a relação com os clientes e continuar explorando as ferramentas digitais para vender são algumas das estratégias.
— Prestar muita atenção nos custos, no caixa, manter apenas as despesas essenciais, fazer uma revisão completa da sua estrutura de funcionamento e aplicar os ensinamentos dessa crise — acrescenta Godoy.
A pesquisa do Sebrae mostra ainda que a principal necessidade apontada pelos pequenos empresários é o capital de giro. Dos entrevistados, 48% buscaram crédito desde o início da crise sanitária e a outra metade deles não conseguiu o recurso. Os principais entraves para a não obtenção são as restrições cadastrais das empresas e/ou dos sócios e a falta de garantias ou avalistas. Conforme dados do governo federal, até semana passada, 218.358 operações por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) haviam sido feitas no país, o equivalente a R$ 18.702.584.178,67 em recursos. No Rio Grande do Sul foram 28.970 (R$ 1.809.402.151,06). Não há dados por município. Na Serra, 422 operações foram feitas, até julho, pelo Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), do Sebrae. Dos 4,7 mil associados da Microempa, 200 conseguiram crédito com o Sicredi.
Mais empreendimentos
O cenário de recuperação das empresas já estabelecidas também é marcado pelo crescimento no número de empreendedores. Entre 31 de março e 15 de agosto, foram feitos no país 784,3 mil registros no Simples Nacional. O número é 0,8% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. A grande maioria é de microempreendedores individuais (MEIs), com 684 mil registros (quase 43 mil a mais do que no mesmo período de 2019). Cerca de 100 mil novos negócios foram registrados como microempresas e empresas de pequeno porte (EPPs) nesse mesmo período.
Em Caxias do Sul, conforme dados da Receita Federal, o saldo entre abertura e fechamento de empreendimentos de janeiro a julho é positivo: 209 microempresas e 93 empresas de pequeno porte. Julho foi o segundo mês do ano, até agora, com o maior número de novas EPPs. Foram 29, enquanto janeiro registrou a abertura de 32. No caso das microempresas, julho teve 112 aberturas e junho, 117. Março havia sido o melhor mês, com 177. No caso dos MEIs, o saldo é positivo de 3.231. Foram 4.626 novos registros, sendo 746 em julho – o segundo melhor mês do ano no número de novos empreendimentos.
— O pessoal que está desempregado está empreendendo por necessidade. Antes mesmo da pandemia já estava acontecendo. A gente previa que o crescimento ia ser grande — analisa Luiza Dutra Colombo, presidente da Microempa.
Em janeiro, antes da pandemia, por exemplo, foram abertos 791 MEIs.
SOLUÇÕES
Entre as alternativas criadas para ajudar os empresários está a sualojasebrae.com.br, plataforma para hospedagem de lojas virtuais de pequenos empreendedores. O serviço será gratuito até dezembro.
Crédito deu fôlego
Depois de oito anos trabalhando como empregada no ramo de flores e jardins, Marli Alves Pereira resolveu, há dois anos, empreender. Formalizou-se como MEI e passou a oferecer serviços de paisagismo em Caxias. A demanda era boa e ela praticamente não parou desde que abriu a New Paisagismo. Mas o coronavírus freou o crescimento.
— Trabalhei no ano passado direto, em um ritmo muito intenso. Comprei ferramentas e, de repente, a coisa começou a se agravar — lamenta.
Com redução de 60% no trabalho e sem saber como lidar com a situação, procurou a Microempa, que a orientou a solicitar crédito junto ao Sicredi. O recurso deu fôlego à microempreendedora.
— Em junho, começou a engrenar. Agora já estou com a agenda cheia para este mês – comemora Marli, que, por conta do tipo de serviço que oferece, tem pouco contato com outras pessoas, o que diminui o risco de eventual contágio.
A expectativa é tão boa que em breve ela deve formalizar a contratação do irmão, que foi demitido da empresa onde trabalhava durante a pandemia – MEIs podem ter até um funcionário.
— Imagino que vou ter bastante trabalho pela frente — espera.
"O consumidor final foi muito importante"
Acostumada a um ritmo intenso de trabalho, com a cabeça sempre na próxima coleção, a estilista Carla Carlin precisou "colocar a empresa para dormir" quando a pandemia chegou. E, com isso, se viu obrigada a tomar medidas drásticas. Aderiu aos recursos oferecidos pelo governo federal, como redução de jornada e suspensão de contratos e, mesmo assim, teve de demitir.
— Foi (medidas do governo) o que salvou o emprego dos que ficaram e a empresa — diz.
Logo no início do período de distanciamento, Carla conseguiu devolver matéria-prima que ainda não havia sido utilizada e, ao longo dos meses, negociou com fornecedores a redução de 30% das despesas fixas. Também buscou qualificação para aprimorar os canais digitais e melhorar as vendas. Com a distância física imposta, a grife caxiense tratou de se aproximar virtualmente dos clientes.
— O consumidor final foi muito importante. Vi as pessoas valorizando o produtor local. Despertou essa coisa de valorizar o consumo local. Houve um reconhecimento — alegra-se.
Carla já sente a retomada com as vendas da coleção de verão. Embora ainda seja a metade do que foi vendido no ano passado, já é bem mais do que ela esperava — das peças de inverno, 40% foram entregues aos lojistas, o restante não teve saída.
— Eu não imaginava que ia vender a coleção de verão. Até por isso atrasei para entregar e acabei perdendo alguns clientes — conta.
"É importante buscar ajuda"
O ano costumava começar depois do retorno às aulas para a NR1 Centro de Reparo Automotivo, empresa caxiense de serviços de lanternagem, funilaria, manutenção e reparação mecânica e pintura de veículos automotores. É que no período de férias, entre janeiro e fevereiro, o movimento geralmente baixava. Agora, com escolas e universidades sem funcionamento presencial, é como se a empresa estivesse atravessando por um novo recesso, mas de forma muita mais longa e acentuada.
O faturamento é cerca de 40% do que se fazia em tempos normais. A direção precisou fazer demissões e fechar o prédio de apoio que mantinha. Para os colaboradores que permaneceram, a NR1 deu férias e, quando retornaram, adotou as medidas de redução de jornada e salário e suspensão de contrato.
— Mesmo a suspensão não foi suficiente. O fluxo ainda não está estável. Acho que as coisas vão normalizar com a volta às aulas — diz Ana Paula Gerhardt da Silva, que comanda a empresa ao lado do esposo Fábio Neves da Silva.
Além das medidas oferecidas pelo governo, o casal recorreu a empréstimo bancário e tenta crédito do Pronampe. Os dois também contrataram consultorias especializadas para enfrentar a crise.
— Foi difícil, mas a gente se adaptou bem. É importante buscar ajuda, como fizemos — destaca Ana Paula.
Faturamento retomado
Abril e maio foram sofríveis para a Perfillais. A empresa caxiense de perfis para diferentes segmentos industriais viu o faturamento cair pela metade. Como alternativa, deu férias para os funcionários e usou as medidas de redução de jornada. Ainda assim, dos nove funcionários, dois foram demitidos.
Mas, em junho, sinais de melhora surgiram. Em julho e agosto, o faturamento retornou aos patamares pré-covid.
— Neste meio tempo, buscamos muitos cursos de vendas pela internet. Criamos Facebook, que não tínhamos, e intensificamos o WhatsApp. E demos uma incrementada no site. Ajuda bastante, nós recebemos muitos pedidos pelo Face — conta Edegar Bernardo da Silva, proprietário da Perfillais ao lado de Marcos Müller.
A empresa, que aderiu a uma linha de crédito bancária (já paga), está em busca agora dos recursos do Pronampe para capital de giro. O receio de Silva é com a falta de matéria-prima, problema que surgiu principalmente por causa da alta do dólar.
— As empresas estão preferindo exportar, e nós estamos ficando sem material — conta.
LINHA DE CRÉDITO PARA ENFRENTAR A CRISE
O Sebrae listou linhas de crédito em todo o país para pequenos empresários. No Rio Grande do Sul, uma delas é a do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Veja:
Nome da linha de crédito: Programa Recupera Sul
Finalidade: capital de giro.
Público-alvo: micro e pequena empresa com até R$ 4,8 milhões de faturamento anual.
Taxa: a partir de 0,74% a.m. (de acordo com a taxa para a Selic ao ano).
Carência: até 24 meses.
Prazo total: até 60 meses.
Limite da operação: de R$ 50 mil a R$ 200 mil.
Garantia: não informada.
Como acessar: www.brde.com.br/solicitarfinanciamento/
E-mail: brders@brde.com.br