Planejar o futuro no mundo empresarial em tempos de pandemia é praticamente encontrar uma solução para o presente. Embora o planejamento estratégico não seja culturalmente majoritário na mente do dono de negócio brasileiro, mesmo empresas organizadas que priorizam metas em médio e longo prazo precisaram voltar à estaca zero em meados de março, colocar o que ambicionavam para o ano (e para os próximos) na gaveta e pensar o dia seguinte. Essa, desde então, tem sido a rotina do microempresário à corporação, e isso para quem conseguiu resistir no mercado nos quatro meses que se completam desde o início de restrições e parada econômica.
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— Planejamento estratégico é uma metodologia que vem da década de 60, 70, quando a gente tinha uma grande previsibilidade. Na ideia de se juntar os experts da empresa, que se sentam, utilizam dados da empresa, projeções do que está acontecendo ao redor e traçam o plano a ser adotado. Portanto, o planejamento estratégico é uma ferramenta para ambientes razoavelmente previsíveis. Para o momento atual, o planejamento estratégico já não é a melhor ferramenta, pois não temos tanta condição de analisar o comportamento dos clientes, da economia — avalia Cleverson Renan da Cunha, coordenador de empreendedorismo e incubação de empresas da Agência de Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ainda que conseguir lidar com os transtornos incessantes possa dar sensação de vitória, mesmo para o momento, "apagar incêndio" do dia a dia talvez seja suficiente.
— Eu diria que quem conseguiu tentar apagar o incêndio, mas continuar andando sem se chamuscar, foi quem provavelmente conseguiu os melhores resultados. Quem se preocupou muito em só apagar o incêndio, esqueceu do que vinha depois. Numa situação como essa, temos de pisar no acelerador para que possamos ficar numa situação que nos permita continuar vivos — acredita Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em gestão financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para a décima matéria da série Futuro da Economia, cujo tema é "planejamento estratégico", especialistas abordaram as tendências de organização empresarial após a pandemia e avaliaram quais perfis de empresário se sobressaíram em uma das maiores crises financeiras mundiais em mais de 100 anos.
"O que se espera para os próximos anos é muita instabilidade"
Cleverson Renan da Cunha: coordenador de Empreendedorismo e Incubação de Empresas da Agência de Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
De um dia para o outro
"É comum fazermos planejamento estratégico de um ano para executar no próximo. Agora, em que não temos certeza nem do que vai acontecer semana que vem, os instrumentos tradicionais de planejamento das empresas não dão conta. Eu posso ter noção de longo prazo, mas com ajustes que antes eram feitos uma vez por ano ou a cada três meses, agora precisam ser feitos todos os dias. Antes planejávamos, montávamos, definíamos direção e tocávamos. Agora a gente planeja, define uma direção e todo dia pergunta: 'Será que é para lá mesmo? Será que devo fazer?' E o que me preocupa é que a maioria das empresas não têm acesso ou tanta experiência para fazer planejamento tão flexível como as startups, por exemplo. As startups tomam decisão da noite para o dia e tudo muda na empresa. Na grande empresa, isso é impossível de ser feito. A flexibilidade vai ajudar a empresa a sobreviver, mas o que se se espera para os próximos anos é muita instabilidade. Então, talvez esse seja o novo normal do planejamento, planejamento com projetos menores, mais integrado, mais compartilhado e com muito mais flexibilidade. Com muitos ajustes. Toda hora precisamos rever e, quem sabe, mudar de trajetória muito rapidamente."
Tornar-se flexível
"Planejamento sempre vem atrelado às nossas competências, o que eu posso fazer tendo em vista esse contexto em que estamos atuando? As empresas que têm mais chance de sobreviver são aquelas que não só conseguem se planejar com certa flexibilidade, mas também têm recursos disponíveis para dar conta dessa flexibilidade. Se eu tenho uma fábrica que só faz um tipo de produto com uma única condição e o mercado mudou, o que eu vou fazer? Fechar a fábrica. Então, esse é um mercado extremamente agressivo, hostil para as empresas que estavam acostumadas a fazer sempre a mesma coisa. E uma empresa flexível tender a ter mais chance de sucesso, pois é capaz de adequar às demandas ao ambiente. Faz parte do planejamento explorar melhor recursos que se tem. Agora, se a única plantação que eu tenho é de abóbora e o terreno só dá abóbora e o mercado está cheio de abóbora, o que é que eu vou fazer? Preciso saber planejar, mas também ter recursos que sejam flexíveis. Isso é o que percebemos quando falamos de indústria 4.0, de produção personalizada. São caminhos que vem sendo adotados, o uso de tecnologias flexíveis, plantas flexíveis, equipes flexíveis, e o próprio planejamento precisa ser mais flexível."
Inovação como prioridade
"A palavra da moda é inovação, poder reorganizar os recursos, as ofertas, para satisfazer as novas necessidades do mercado. Se a empresa não tinha inovação por hábito, eu não vou saber mudar com frequência agora. Minha equipe não sabe conversar, tem muita hierarquia, a gente não tem dinheiro para investir em inovação... Fica muito difícil uma empresa que não tem cultura de inovação mudar e mudar rápido como se precisa. As que sobreviverem vão aprender a duras penas, vamos deixar as empresas mais fortes, só que o preço que estamos pagando é muito alto, pois a inovação, o empreendedorismo interno nas empresas, não são fatores fortes na nossa economia. O Brasil não está bem nos rankings internacionais de inovação e competitividade. A gente corre o risco de pagar o preço por muitas empresas não serem capazes de dar conta disso. Nesse novo ambiente, será preciso entender o cliente. Esse cliente muda e eu tenho de entender e continuar a oferecer coisas que são importantes para ele. Vamos precisar de novas competências para dar conta desse contexto."
A crise como lição
"É quase um processo de seleção. Os que vão sobreviver são os que conseguiram dar conta deste novo contexto. Empreenderam melhor, ouviram melhor os consumidores, conseguiram liderar melhor suas equipes. Por outro lado, percebemos a importância de investirmos em capacidade de geração de novos valores de empreendedorismo dentro das empresas, de inovação. As empresas, nas últimas décadas, o foco sempre foi da qualidade, da previsibilidade, aumento da produtividade. A inovação sempre foi importante, mas nunca com o carinho necessário que vamos precisar de agora em diante. As empresas que forem capazes de se adequar melhor à realidade e inovar mais, a tendência é de que tenham resultado bem mais interessante, tanto pequenas quanto grandes empresas. Melhorar nossa capacidade de ler ambiente, ler clientes, os concorrentes e de estar muito atento a essas mudanças. Não existe mais certeza no contexto atual. Todo dia tenho de estar aberto, participando de grupos, de redes, estar atento. O que torna relevante é a capacidade de ler contexto, ler ambiente e dar respostas rápidas. Reclamação agora não é o remédio e sim entender o que está acontecendo."
"É preciso ter o poder de reagir o mais rápido possível"
Ricardo Teixeira Coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Reação imediata
"O mundo empresarial é cheio de incertezas. Existem dois perfis de empresários, aqueles que são mais atirados e aqueles mais conservadores. Quando acontece uma situação como essa, normalmente os mais conservadores têm posição mais sólida, já aqueles que são mais empreendedores do ponto de vista de correr riscos, esses normalmente são pegos mais de surpresa. Quem são os empresários que estão se saindo melhor? Aqueles que, independentemente do grau de aversão ao risco, estão desde o primeiro dia da crise procurando alternativas para manter seu negócio. Então, todo mundo que imediatamente procurou entrar num delivery ou intensificar esse atendimento têm conseguido se sair melhor e têm conseguido quitar suas despesas e eventualmente até com alguma sobra. Saíram na frente aqueles que perceberam antes a necessidade que se tinha: de uma hora para outra, o consumidor queria para ontem, e, no momento que você entregou o que ele pediu, ganhou o cliente. Já os que não reagiram com rapidez e falharam com o cliente, não necessariamente serão descartados, mas ficam em segundo plano. É preciso ter o poder de reagir o mais rápido possível, buscando soluções para o seu faturamento e no atendimento ao cliente."
Confiar menos na criatividade
"O brasileiro é extremamente talentoso e criativo. Mas, por conta disso, ele tende a acreditar que consegue encontrar soluções sem fazer planejamento. O brasileiro improvisa muito e acerta muito quando improvisa. A gente não pode podar essa capacidade, mas qualquer empresário que trabalhe com planejamento, que tem de ser dinâmico para enfrentar uma situação como essa, ele consegue otimizar recursos e fixar os objetivos. Quando se trabalha muito mais na criatividade, você vai adiante, cresce muito, mas sem muita direção. O brasileiro acredita que pode driblar situações e por isso a gente utiliza menos planejamento aqui do que em muitos locais. Acredito que isso vai mudar um pouco. Mas já vimos que muita gente que com a criatividade conseguiu sobreviver na pandemia talvez continue pensando da mesma forma."
Mentes pensantes e ágeis
"Quando os tempos estão muito bons, é fácil pensarmos em ter pessoas menos empreendedoras, do ponto de vista de querer imediatamente ver as coisas acontecerem, e sim pessoas mais ponderadas, que pensem mais em longo prazo. Neste momento o que precisávamos era de pessoas que encontrassem a solução para sair rapidamente do outro lado. Agora, sem dúvida nenhuma, para se ter um crescimento sustentável, precisa de um bom planejamento. O ideal é ter pessoas que sejam ágeis em encontrar soluções dentro das próprias empresas, seja no período de bonança ou numa crise como essa, é um ativo que não tem preço. São pessoas que todas as empresas precisam ter e zelar por elas. Quando não se tem uma crise nas proporções que temos agora, nós temos crise todos os dias, precisamos de pessoas que encontrem rapidamente soluções para as empresas. Quando começou a pandemia, em vez de termos quem pensa 'estamos com dificuldades enormes', o certo é ter gente que pensa 'o que vamos fazer para poder faturar dentro dessa crise que está aí'. Esse tipo de pessoa é imprescindível."
Adaptar ênfase
"Todos os conceitos básicos de planejamento continuam válidos como sempre. A questão toda é que, para cada negócio, a ênfase que você vai dar vai ser diferente. A ênfase que você daria para uma rede de distribuição lá atrás, hoje você tem de pensar em logística, porque a tendência é que, depois desse período que recebemos delivery de fornecedores, muitas pessoas vão achar mais cômodo continuar a comprar nessa modalidade. O cenário, do ponto de vista do consumo, vai mudar. Portanto, a estratégia para a retomada tem de se basear na necessidade do cliente. Qual é a necessidade dele? A gente precisa verificar o que a gente imagina que é o nosso negócio e o que podemos fazer para agregar valor ao cliente. Quem mais rapidamente vai retomar posição de conforto empresarial vão ser aquelas empresas que já entenderam isso desde o início da pandemia e vão conseguir manter um atendimento aos clientes dentro das necessidades dele. O cliente quer rapidez, vou entregar rapidez, ele quer segurança, vou entregar segurança. Com as facilidades tecnológicas, eu espero que sua empresa esteja disponível o tempo todo. A disponibilidade para atender o cliente vai ter de ser muito maior depois da pandemia."