A internet pode não ser algo tão novo. Afinal, o uso da tecnologia é um fenômeno crescente na rotina dos brasileiros desde o início dos anos 2000. É perceptível, no entanto, que o uso das redes sociais se tornou mais presente nos últimos anos, sendo, muitas vezes inevitável até em ambientes de trabalho. Pesquisadora da área, a psicóloga e empresária Ana Carolina Peuker, afirma que os estudos dos impactos que a "hiperconectividade" exercem na rotina das pessoas ainda são escassos. Mesmo assim, observações empíricas e vivências diárias já demonstram afetar, sim, o desempenho de trabalhadores e as próprias relações no ambiente de trabalho.
Palestrante convidada do 4º Meetup CIC, no dia 8 de agosto, Ana Carolina falou sobre o tema ao Pioneiro. Confira trechos da entrevista:
Pioneiro: Quais são os impactos da transformação digital nos ambientes de trabalho?
Ana Carolina Peuker: Estudos já revelam que tem uma série de impactos, entre os quais, a questão de termos nos tornado mais reativos e menos reflexivos e focados. Hoje, as pessoas têm dificuldade de aprofundar e refletir determinados conteúdos, pois a internet acaba estimulando o consumo de conteúdo muitas vezes irrelevante. Nosso cérebro é preparado para observar o ambiente, como a queda de uma folha, antigamente, hoje a internet nos bombardeia dessas distrações e informações e isso faz com que mudemos o foco de uma coisa para outra e naturalmente vai repercutir na produtividade e no aprendizado, aprendemos menos desta maneira. Consolidamos menos a memória, pois hoje usamos Google para tudo. Há um autor americano que questiona "será que o Google está nos tornando mais burros?", no sentido de mais ignorantes mesmo, porque não costumamos mais fazer uma reflexão própria.
E na sua opinião, a internet tem nos tornado mais ignorantes?
Tem impacto na forma que processamos a informações. Eu acho que tem nos tornado mais superficiais e isso impacta na nossa inteligência emocional, e a inteligência emocional faz com que reconheçamos sentimentos e emoções dos outros para interação social adequada. No momento que tudo passa por um comportamento mais reativo, em que eu atuo de maneira automática, isso vai impactar em vários âmbitos.
Você acha que o brasileiro ainda não entendeu a melhor forma de usar a tecnologia no ambiente de trabalho?
Na verdade o fenômeno é muito novo. A gente não sabe qual repercussão que esse comportamento vai ter. A gente tem alguns vícios, mas o prejuízo na produtividade não é apenas para o brasileiro, várias nações passam por isso. Agora vem novas gerações, os próprios millennials já incorporaram a tecnologia como parte do corpo deles. Vão entrar no mercado de trabalho, se tornarão líderes e certamente as empresas terão de ser adaptadas a esse conflito de geração. Proibir o uso de tecnologia, dizer que não podem acessar, não, mas desenvolver uma consciência, educar as pessoas a respeito do impacto que isso pode ter. As empresas precisam ficar atentas com isso, para de fato poder preservar a produtividade e manter a qualidade de vida das pessoas, hoje mandamos e-mails e mensagens na hora do almoço, no banheiro. Essa linha entre trabalho e vida pessoal se tornou quase tangível.
É questão então de disciplinar o uso?
Quando o carro surgiu, as pessoas faziam fantasias a respeito com ideia de demonizar o uso. Não é por aí, pois é um caminho que não tem volta. Hoje, inclusive, a psicologia tem se aproximado bastante de culturas, como a oriental, que preconiza a atenção para o momento presente. Questão do mindfullness, então isso tem se tornado uma tendência em grandes empresas, de treinar as pessoas a se focarem ao momento presente, não tem nada de religião, é uma cultura relacionada ao budismo, mas que tem muito mais a ver como retreinamento da atenção que a gente está perdendo.
Qual principal aspecto que as empresas precisam estar especialmente atentas para não deixar essa situação afetar a produtividade?
Criar cultura de consciência do uso racional desses recursos. Oferecer auxílio para aqueles que têm dificuldade. E também buscar ferramentas que ajudem a identificar as pessoas que estão em risco. Há associação muito grande entre o uso nocivo com quadros de saúde mental importantes como depressão e ansiedade. A Associação Psicológica Americana fala de uma nova classificação que chama constant checker, que são essas verificações constantes (à mídias digitais) que geram resposta neuroquímica que faz com que a pessoa deseje olhar todo o tempo para receber um estímulo prazeroso cada vez que olha. E isso tem repercussão na saúde mental, pode se tornar reprimido por depender desse estímulo constante.
Empresários ainda subestimam esses impactos da tecnologia na produtividade do trabalhador?
Estamos ainda preocupados em dar conta de toda a demanda e estamos pouco atentos aos seres humanos. Vai vindo uma nova era de uma automação maior em que aquelas atividades que exigem apenas inteligência possivelmente vão ser substituídas por robôs e máquinas, mas a capacidade emocional é singular, só o ser humano possui, por isso os empresários tem de estar atentos a essa necessidade emocional dos colaboradores. Não só em tornar a sua empresa tecnológica e adotar processos automáticos, mas tem de estar atento a toda essa relação das pessoas com a tecnologia.
Apesar de ser um fenômeno recente, as empresas já estão se adaptando a ele?
É um momento bastante inicial, os estudos falam bastante do impacto na cognição, na arquitetura cerebral das pessoas que está sendo modificada. Você tem um funcionário desatento que quer ser estimulado o tempo inteiro, que não suporta ser frustrado, por exemplo, ele vai ter um desafio pela frente, pois a vida do trabalhador requer que ele lide com frustração, que ele suporte pressões e essas novas gerações estão vindo muito vulneráveis, hiperconectadas, mas hipervulneráveis.
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