Entre os pontos que saltou aos olhos durante a greve dos caminhoneiros está a dependência direta que os brasileiros têm dos combustíveis fósseis e da energia oriunda das hidrelétricas. Ficou evidente que é preciso buscar energias alternativas. O lixo produzido na sua casa e os resíduos gerados em atividades agroindustriais são alguns dos elementos que podem se transformar em biogás e biometano, energias renováveis que aos poucos começam a ser exploradas no Brasil.
O assunto está sendo discutido no Fórum Sul Brasileiro de Biogás e Biometano, que acontece em Foz do Iguaçu (PR), até a próxima sexta-feira. O evento debate o potencial de desenvolvimento desse setor na região Sul. O Atlas das Biomassas do RS para Biogás e Biometano, de 2016, revela que a região da Serra representa a quinta maior disponibilidade de biomassas residuais do Estado, com potencial estimado em aproximadamente 4,5 milhões de toneladas ao ano.
Por aqui, o tema começou a ser discutido em 2015 pelo Arranjo Produtivo Local Metalmecânico e Automotivo da Serra Gaúcha (APLMMeA), um dos organizadores do fórum. O presidente da entidade, Ubiratã Rezler, explica que a ideia é promover a cadeia industrial e, paralelamente, possibilitar uma alternativa ecologicamente correta de combustível, por meio do uso de fontes renováveis de energia.
— Estamos fazendo o nosso papel. O de trazer o tema para a discussão —destaca Rezler.
A construção de plantas para a produção da energia demandará produtos e peças que hoje não se encontram no mercado local. Nesse sentido, o polo industrial da Serra Gaúcha, por exemplo, poderia atender à demanda futura para a fabricação de equipamentos.
Projetos
Durante o fórum, palestras, mesas-redondas e visitas técnicas possibilitarão a discussão sobre estruturação da cadeia de suprimentos, tecnologia, formação de mão de obra, mercado e organização para o desenvolvimento do setor. O evento reúne empresários, gestores de órgãos públicos, profissionais, pesquisadores, estudantes e pessoas interessadas nessa promissora indústria do biogás e biometano, principalmente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
— A região Sul tem grande potencial de produção de biogás, pela quantidade de resíduos agropecuários, da agroindústria e de resíduos orgânicos das cidades e, também, pela proximidade com os pontos de consumo de energia — observa o coordenador-geral do Fórum, Clóvis Leopoldo Reichert.
Nesta quarta-feira será lançado o projeto Aplicações de biogás na agroindústria brasileira. A iniciativa foi uma das 18 em todo o mundo — a única brasileira — contemplada com recursos internacionais para o desenvolvimento de projetos que beneficiem o meio ambiente global. O projeto conta com recursos do Fundo Global do Meio Ambiente e investirá cerca de US$ 7 milhões (R$ 25 milhões), em ações para incentivar e fortalecer o uso do biogás no Brasil, com foco na região Sul.
Confira a entrevista com Suelen Paesi
Qual o potencial de Caxias do Sul para produzir e usar o biogás como fonte de energia
Caxias tem alto potencial, pois é uma cidade com grande produção de Biomassa, que é todo o resíduo gerado na agricultura, pecuária, além do resíduo orgânico urbano e de estações de tratamento de efluentes domésticos. Os microrganismos transformam os resíduos em um gás que contém metano que pode ser utilizado como combustível para veículos públicos ou privados ou pode ser convertido em energia elétrica e energia térmica. Caxias e região estão desperdiçando esses resíduos e poluindo o meio ambiente. Além disso, como faziam nossos antepassados - pois eles já sabiam gerar biogás - depositavam seus restos alimentares na lavoura para se beneficiar desta ação anaeróbia (sem oxigênio) dos microrganismos, gerando o biogás, que era perdido para a atmosfera, e usavam a compostagem como adubo. Hoje há tecnologia disponível para transformar esse "desperdício" em sustentabilidade.
De que forma isso pode contribuir para o desenvolvimento da Serra Gaúcha e/ou do município?
A Serra se beneficiará com uma nova forma de produzir energia, que não depende da extração do petróleo ou das concessionárias de energia elétrica, e ainda com a preservação ambiental. A região dará um destino correto aos resíduos gerados nas granjas, fazendas e lixo orgânico dos municípios. Paralelamente, a região tem um polo metalmecânico consolidado, capaz de dar o apoio na geração de suprimentos, tanto para os parques tecnológicos de biogás ou mesmo um pequeno reator privado.
*Professora e pesquisadora do Instituto de Biotecnologia da UCS e coordenadora do Laboratório de Diagnóstico Molecular da UCS.
SAIBA MAIS
O que é biogás
É uma mistura de gases composta principalmente por metano e dióxido de carbono, obtida normalmente através do tratamento de resíduos domésticos, agropecuários e industriais, por meio de processo de biodegradação anaeróbia, ou seja, na ausência de oxigênio. O biogás pode ser aplicado na geração de energia elétrica e energia térmica e na produção de biometano, um biocombustível similar ao gás natural. Durante o processo, também há produção de biofertilizante.
Quem pode produzir
Propriedades rurais, aterros sanitários e indústrias relacionadas à agropecuária. Também é possível produzir biogás com esgoto e resíduos de alimentos (domésticos, comerciais e industriais).
Potencial no Brasil
Segundo a Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), o Brasil tem grande potencial energético em biogás devido a quantidade de resíduos orgânicos que produz. São 52 bilhões m³/ano entre proteína animal, saneamento e resíduos sucroenergéticos. Até 2030, o país deverá produzir 32 milhões m³/dia de biometano, o equivalente a 6.000 novos postos de Bio-GNV, com uma economia de até 50% em relação ao óleo diesel.
Produção atual
Dados do Cadastro Nacional do Biogás revelam que, em 2015, existiam 127 unidades no Brasil que produziam energia a partir de biogás com uma produção aproximada de 1,6 milhões de m3 de biogás/dia. Além dessas, havia 22 unidades em planejamento ou instalação e 10 em reforma, totalizando 153 unidades cadastradas (localizadas principalmente nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do país
Projetos locais
A UCS, atualmente, desenvolve uma série de projetos de pesquisa sobre a utilização do biogás e do biometano. Há, inclusive, parceria da universidade com a Petrobras voltada para a produção de biogás e também de bio-hidrogênio a partir de glicerol e vinhoto.