O cenário traçado para o Brasil nas próximas décadas de transformação do mercado de trabalho pela transição demográfica foi reforçado pela proposta de reforma da Previdência encampada pelo governo federal. Além de o país estar em uma transição acelerada rumo à mudança de um perfil de nação jovem para uma população mais madura, a fixação de idade mínima de 65 anos para se aposentar no regime geral aliada à necessidade de contribuir por 49 anos para ter direito a 100% do benefício deve fazer com que um número cada vez maior de pessoas atravesse a terceira idade na ativa.
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Para ter direito ao benefício integral, hoje limitado ao teto de R$ 5.189,82, será necessário, em muitos casos, permanecer na labuta após os 70 anos. O aumento forçado do contingente de trabalhadores de cabelos brancos traz muitas perguntas ainda sem respostas definitivas. Onde essas pessoas vão trabalhar? Como deverá ser a adaptação das empresas? De que forma sexagenários e septuagenários conseguirão se manter produtivos? Como absorver jovens e idosos ao mesmo tempo?
Especialista no tema do trabalho, o sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP), vê um imenso desafio pela frente. Além da premissa de a economia crescer para que os empregos sejam gerados, seriam necessárias reformas adicionais em outras áreas, a exemplo do que ocorreu em mercados mais maduros, como em nações da Europa e no Japão. Uma necessidade será adaptar a legislação que rege as relações de trabalho, sustenta Pastore.
– Nesses países, foram feitas várias inovações, criando novas modalidades de contratações, como o trabalho intermitente, o trabalho casual, por hora. Com essas mudanças na legislação trabalhista, essas nações conseguiram acomodar melhor os idosos, mas isso não quer dizer que conseguiram resolver o problema – observa.
Formas alternativas – Como a evolução na área da saúde tem levado ao aumento da longevidade, os trabalhadores também devem ter vitalidade maior a despeito de idade mais avançada. Mesmo assim, o futuro do trabalho não será necessariamente assalariado e com carteira assinada, alerta Wolnei Tadeu Ferreira, diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Formas alternativas de trabalho deverão crescer:
– As pessoas mais qualificadas poderão optar pelo empreendedorismo, oferecer seu conhecimento com consultoria ou dando aula. Quem é mais de baixa renda também pode ser um microempreendedor e desenvolver uma atividade na sua residência, na área de alimentação, marceneiro, motorista, algo paralelo que dê uma renda que complemente a aposentadoria. Uma pessoa poderá trabalhar para vários contratantes – exemplifica Ferreira.
Todos em busca de adaptação
O desafio de moldar o mercado de trabalho do futuro, quando o país terá mais pessoas com rugas e uma proporção menor de gente com espinhas, será das empresas e de quem busca colocação. Ter tarefas feitas à distância, oferecer diferentes pacotes de benefícios de acordo com a faixa etária dos colaboradores e criar formas de amenizar choques entre as diferentes gerações são alguns pontos cada vez mais discutidos em seminários e congressos da área, segundo Wolnei Tadeu Ferreira, diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH):
– As pessoas mais maduras devem ser consideradas porque têm conhecimento e bagagem cultural valiosa. Podem passar a ser instrutores, multiplicadores de conhecimento. Podem não ter os mesmos vigor e vitalidade, suportarem cargas horárias elevadas, mas podem fazer as tarefas com mais habilidade.
Pesquisador da área de mercado de trabalho, Bruno Ottoni, da Fundação Getulio Vargas (FGV), entende que as empresas serão forçadas a investir em reciclagem e requalificação dos quadros para se manterem produtivos e competitivos.
– As empresas terão de entender que pessoas com experiência têm valor no mercado de trabalho – afirma Ottoni.
O sociólogo José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), observa que, com a queda da taxa de natalidade, uma proporção menor de jovens no ingresso do mercado de trabalho deve ajudar um pouco a aliviar a concorrência com os mais idosos, mas o ritmo das mudanças tecnológicas vai lançar um desafio para toda a sociedade:
– Se o país não oferecer educação de qualidade, essas pessoas depois não terão condições de se ajustar nessa transição.
Pelo lado do trabalhador, as necessidades serão semelhantes: reciclar-se, estudar, manter-se capacitado para não ser engolido pela evolução tecnológica.
Dados do IBGE indicam que, no ano passado, os idosos – com 60 anos ou mais – representavam 14,3% da população brasileira. As projeções apontam que, em 2039, serão quase um quarto dos habitantes do país.
Levantamento da participação de diferentes faixas etárias no mercado de trabalho revela que, em menos de 10 anos, foi expressivo o envelhecimento da população economicamente ativa. Enquanto em 2007 os trabalhadores de 50 a 59 anos eram 12,72%, esse percentual aumentou para 16,39% em 2015.
A experiência credencia o trabalhador para o empreendedorismo
Abrir um negócio próprio, bem como apostar na carreira de professor, é uma das tendências que se desenha para as pessoas com mais idade. Com bastante tempo de mercado, trabalhadores mais experientes vislumbram no empreendedorismo a chance de aplicar todo o conhecimento adquirido ao longo de anos.
É com isso em mente que Luiz Gilberto da Veiga, 52 anos, planeja a abertura de um negócio comercial para o próximo mês. Com formação em Educação Física, Luizinho, como é conhecido, já foi professor e atuou em vários clubes de futebol, como Juventude, Caxias, Grêmio e Goiás. O empreendimento terá como sócio Evaldo Luiz Munare, 52.
– Apesar de sempre ter atuado no ramo do esporte, vejo que tenho muita experiência de vida para aplicar nesse negócio. Além disso, trabalhei com pessoas durante toda a vida, e isso é fundamental para o comércio – explica Veiga.
Ao contrário do sócio, Luizinho não é aposentado. Antes de a Reforma da Previdência ser anunciada, calculava que precisaria contribuir por mais dois anos. Agora, já não sabe mais:
– Essas medidas que estão sendo discutidas são o reflexo de um governo fracassado. E o problema é que a corda sempre arrebenta do lado dos mais necessitados, que são as pessoas mais idosas. Muita gente encara a aposentadoria como um projeto de vida, então essa situação é bem lamentável – avalia Veiga.
Embora não falte experiência para Luizinho e Munare, os dois fizeram um plano de negócio para avaliar a viabilidade do empreendimento antes de oficializar a parceria. O cuidado é imprescindível para evitar frustrações futuras.
– Um dos nossos diferenciais vai ser abrir aos sábados, feriados e parte dos domingos também. Nosso atendimento e o preço certamente farão a diferença – conta Veiga, animado.
A empresa da dupla se chamará Casa de Queijo Villah e ficará no bairro Cristo Redentor.
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