Não bastasse o receio de perder o emprego – já são mais de 20 mil postos fechados no setor metalmecânico desde o início da retração –, o trabalhador metalúrgico de Caxias também está com medo de ficar sem os seus direitos. Fragilizadas pela crise que já dura quase três anos, muitas empresas da cidade viram seu caixa reduzir com a escassez de pedidos e sentem, assim, dificuldades para manter as contas (e salários) em dia.
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Com esse cenário de pano de fundo, Caxias tem sido palco de alguns protestos em fábricas nas últimas semanas. A reivindicação é justamente o pagamento em dia de salários ou de verbas rescisórias.
Na Justiça do Trabalho, o impacto desses impasses também chegou com força: de janeiro a novembro deste ano, 11.728 novas ações trabalhistas foram ajuizadas em Caxias do Sul, o que representa um aumento de 6,11% na comparação com os 11 primeiros meses do ano passado. Em relação a 2010, o número quase dobrou, já que, na época, 5.962 novos processos foram registrados nesse mesmo período – salto, portanto, de 96,71% em seis anos.
– Muitas empresas pararam de demitir porque não têm como honrar com as verbas rescisórias. Notamos que as empresas grandes, em geral, fizeram seus ajustes no quadro de trabalhadores. Já as pequenas e médias, que contam com menos fluxo de caixa, seguem cortando vagas lentamente, conforme ganham fôlego para pagar as rescisões – analisa Getulio Fonseca, diretor do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
Ainda segundo o executivo, muitas empresas também estão "cavando um buraco enorme" deixando de pagar impostos para não atrasar os salários e demais contas. Nesse sentido, Fonseca analisa que a aprovação de um novo Refis (programa de recuperação fiscal) por parte do governo é fundamental.
Trabalhadores não aceitam mais parcelamento – Nas últimas semanas, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul realizou algumas assembleias em frente a empresas que estavam propondo parcelar as rescisões de funcionários demitidos. A orientação da entidade é que esse tipo de condição não seja mais aceita:
– Entendemos que existe uma crise, mas o trabalhador não pode ser o único a pagar esse pato. Parcelar rescisões vai contra os direitos dos trabalhadores e só beneficia as empresas, que ganham juros altos em cima dessa estratégia – avalia Claudecir Monsani, vice-presidente do sindicato.
O dirigente ressalta ainda que os trabalhadores devem adotar uma "posição de resistência" neste momento, para assim garantir a manutenção dos direitos previstos em lei:
– As empresas precisam entender, de uma vez por todas, que não se pode tirar proveito dos trabalhadores nas crises. É preciso lembrar ainda que o setor metalmecânico mantém outras categorias de Caxias, porque é a renda do metalúrgico que circula no comércio e nos serviços. A luta, então, é de todos – acredita.
"Não tivemos outra alternativa"
As dificuldades financeiras geradas pela retração econômica não atingem apenas negócios novos ou de pequeno porte. Empreendimentos tradicionais de Caxias, como é o caso da Guerra SA e da Silpa, também se envolveram em impasses trabalhistas recentemente.
No caso da Silpa, a empresa desligou cerca de 15 funcionários no final do mês passado sem pagar integralmente as verbas rescisórias. Após protestos promovidos pelo sindicato, os desligamentos foram suspensos e as rescisões, agendadas para outro período. Durante esse intervalo, os trabalhadores demitidos receberam os salários normalmente, com aviso prévio, em casa.
– É importante ressaltar que a Silpa nunca passou por nenhum problema semelhante em mais de 40 anos de história. Essa situação é toda atribuída à crise absurda que afeta todo o segmento metalmecânico, gerando perdas gerais de mais de 70%. A Silpa buscou dinheiro em bancos, inclusive, mas o crédito terminou no mercado. Os desligamentos ocorreram na tentativa de buscar equilíbrio e visando ao emprego dos demais 110 funcionários. A Silpa lamenta ter de passar por isso, mas não tivemos outra alternativa – justifica a advogada da empresa Aline Ribeiro Babetzki.
No caso da Guerra, os protestos começaram em outubro, quando a empresa depositou apenas 40% do pagamentos dos trabalhadores referente a setembro. A situação foi resolvida logo após a primeira paralisação, com a quitação dos salários. Em novembro, porém, novo impasse: cerca de 180 trabalhadores foram demitidos sem o pagamento integral das verbas rescisórias. A empresa propôs o parcelamento, mas o sindicato, em assembleia com os trabalhadores, acabou não aceitando.
A questão foi resolvida no início deste mês, quando as rescisões dos funcionários foram anuladas. O advogado da Guerra para questões trabalhistas, Luis Gustavo Casarin, informou na época que esses trabalhadores devem ser desligados em três partes – um grupo em dezembro, outro em janeiro e outro em fevereiro, conforme a disponibilidade de recursos. Enquanto não houver a demissão efetiva e com o pagamento integral das rescisões, os profissionais permanecem em licença remunerada.
Em processo de recuperação judicial desde julho de 2015, a Guerra SA Implementos Rodoviários foi altamente impactada pela crise econômica que restringiu os pedidos no polo automotivo da Serra. Atualmente, a empresa conta com 600 funcionários.
"Toda pessoa que é lesada tem direito de entrar na Justiça"
A dificuldade em chegar a um consenso nas questões trabalhistas, especialmente em tempos de crise, vem aumentando a demanda na Justiça do Trabalho de Caxias. Equilibrar os interesses, especialmente em um cenário de dificuldades para ambos os lados, tem sido o grande desafio para o Poder Judiciário. Rafael da Silva Marques, diretor do Foro Trabalhista de Caxias e juiz titular da 4ª Vara do Trabalho, destaca que o crescimento no número de ações ocorre, muitas vezes, porque a retração é utilizada como argumento para a redução de direitos:
– A crise existe, sim, mas às vezes ela é desculpa para fazer qualquer tipo de coisa. Para demitir, para parcelar rescisões. E era o que muitas empresas estavam fazendo aqui em Caxias: usando a justificativa de crise para parcelar rescisão. Outra informação que a gente tem que cuidar é dizer sempre que "as empresas não têm dinheiro para pagar as rescisões". Em alguns casos, elas têm esse dinheiro comprometido com outras verbas, já contando com a possibilidade de parcelar rescisões. Em nenhum país se faz isso – ressalta.
Em tempos de alta nas ações trabalhistas, Marques dá dicas para os empresários evitarem ter ações ajuizadas. Confira alguns trechos da entrevista:
Por que a média de aumento no número de ações trabalhistas em Caxias é maior do que a do Estado?
Caxias é um dos poucos polos de capitalismo moderno do país e, até três anos, também contava com pleno emprego. Nessas regiões de capitalismo moderno, as pessoas têm outras necessidades. Aqui em Caxias, com a média salarial maior do que a média nacional, as pessoas começam a consumir outros produtos, como cultura, literatura, viagens. No momento em que essas pessoas entram na esfera do desemprego, elas continuam com esses hábitos de antes. Elas já incorporaram isso para a realidade delas, para os filhos, e isso aumenta a necessidade de ter dinheiro. Então, as pessoas que são demitidas podem pensar que têm que segurar a onda por um tempo com o seguro-desemprego e talvez com uma ação judicial para depois recomeçar a trabalhar. As pessoas sabem que a economia tende a melhorar depois de um tempo de crise. A gente não pode subestimar a capacidade que as pessoas têm de interpretar a vida.
Então, em épocas de pleno emprego, ao serem demitidas, muitas pessoas abrem mão de entrar na Justiça por já conseguirem uma nova oportunidade?
Sim, em período de pleno emprego nós tínhamos um pouco mais da metade de ações ajuizadas do que em um período de desemprego.
E quando o trabalhador deve entrar na Justiça?
Toda pessoa que é lesada tem esse direito. Não me pagar uma hora extra é mais ou menos a mesma coisa que bater na traseira do meu carro. Se eu tenho direito, alguém tem que me pagar e ponto. Se não me pagar, tenho que ajuizar uma ação e deu.
Muitos empresários avaliam que a legislação trabalhista é muito branda.
A legislação trabalhista no Brasil é muita cara para o pequeno e para o médio empreendedor, e é praticamente de graça para o grande. Em razão de mídia ou até de sindicatos, se diz muito que, na Justiça do Trabalho, o empregado sempre ganha, só que a média de improcedente é maior do que de procedente, ou seja, a gente julga mais a favor do empregador do que do empregado. O empresário que vem aqui com boa intenção, a gente sempre tenta dar um jeito, buscando uma forma interessante para os dois lados. Todos os empresários de Caxias que vieram fazer audiência aqui na Justiça de Trabalho foram devidamente avisados de que o acordo seria uma boa solução.
Que dica você daria para um empresário não passar por problemas na Justiça?
A primeira coisa é nunca pagar nada por fora, faça tudo por dentro. É mais caro? Às vezes sim, mas na maioria das vezes acaba não sendo. Segundo conselho: não sonegue imposto. Se a União pegar, a batida é grande. Terceiro ponto: se tiver alguma necessidade econômica, tente negociar com os empregados, ouvir eles. Se não encontrar nenhuma solução e o problema for para uma ação trabalhista, tente conversar com o empregado na frente do juiz e seja o mais claro possível. Não diga que não tem dinheiro se você tem verba no Uruguai, ou então no nome de outro parente. Isso é feio, a gente pega pelo CPF. Pense e aja com razão, não com a emoção. O empregador, assim como o empregado, que vier aqui com a razão, geralmente tem êxito.
Atuar sempre com prevenção jurídica é o ideal então?
Exato. E outra coisa: o empreendedorismo não é pra qualquer um. Fomos educados a ser mão de obra, mas alguns têm mais talento. Se teu talento não é pra empreender, gerir e liderar pessoas, coloca a chinela da humildade e vai ser empregado. Não tem mal nenhum nisso. Vai se qualificar para conseguir um cargo bom dentro de uma empresa. A gente tem que saber até onde pode ir.
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