A cerveja com gosto de saudade e misturada às lágrimas, o amor mal resolvido que ficou para trás, o término do relacionamento por mensagem, a traição que doeu, e até seria perdoada, mas nem isso a pessoa aceitou. O sonho que acabou. Se uma ou todas essas cenas quase caricatas fazem ou já fizeram algum sentido para o leitor, é porque o time dos que adoram uma “sofrência” tem mais um sério candidato a integrante. Mas fique tranquilo, você não está só. Aqui, uma mesa de plástico ou de ferro, com cadeiras já gastas e testemunhas de outras histórias parecidas, te esperam. Afinal, música boa, para muitos, é a que nos faz sofrer.
Mas eu me engano, me desespero. Porque te amo, porque te quero. E a minha vida é só pensar em você
A relação do brasileiro com este gênero pode ser explicada pela cultura e a maneira como suas letras se encaixam com a realidade de inúmeras pessoas. Com 24 anos, há 9 no mercado musical, o compositor goiano Gustavo Martins, que já escreveu para Marília Mendonça, Gusttavo Lima, Jorge e Mateus, Zé Neto e Cristiano, Maiara e Maraísa, entre outros artistas nacionais, revela que as canções com essa temática caem muito fácil no gosto do público.
— Eu já escrevi muita música de bebida, de sofrência, de superação. Tanto os homens, quanto as mulheres se identificam muito com elas. Está impregnado na nossa cultura sofrer por amor ou reconquistar uma paixão. Aquilo de voltar, procurar, bebida pensando na pessoa. E também está no enraizado no sertanejo e, com a melodia certa, impacta e muita gente se identifica bastante — ressalta o compositor.
Dois sucessos que tem Gustavo Martins na lista de criadores ajudam a explicar o crescimento ainda maior do sertanejo nos últimos anos. A consolidação da mulher como protagonista do cenário todo. Bye, bye, de Marília Mendonça, e Sorte que cê beija bem, da dupla Maiara e Maraísa, falam do sentimento da mulher e do envolvimento com amores e relações que nem sempre chegam a algum lugar.
— Nós acompanhamos sempre o que a rua fala, o que o público está vivendo para atualizar as letras. Eu comecei com modão, falando da roça. E notei que o mercado não comprava muito. Foi o momento da saída do sertanejo para a cidade, e vimos também o grito de liberdade das mulheres, que podiam e faziam tudo que o homem sempre fez. Beber, ir para o bar, ter o chifre trocado. Agora, elas também vivem e sofrem o sertanejo — acredita Gustavo.
“Sabe o que você tem? Tem sorte que cê beija bem. Só me deixa ir porque sabe que eu vou voltar”.
Mas não é só de moda doída que a carreira é feita. O compositor faz questão de citar que o lado bom de amar, quando as coisas funcionam, também vende.
— Tenho muita canção de amor que deu certo, de reconciliação. Homem de Família, por exemplo, fiz para o Gusttavo Lima bem na época que ele estava casando, e virou o tema dele. Isso mostra que todas as músicas encaixam bem para o brasileiro ouvir. Todas têm retorno —conclui.
Letras de amor e de vida
Quando uma relação encaixa e passa para as próximas fases, a trilha sonora do casal, se não muda, aumenta. Choros e saudades dão lugar ao aconchego, o amparo, palavras que exaltam a sorte de ter encontrado o que tanto se busca. Entre as incontáveis letras e melodias escritas e criadas pelo músico gaúcho Juliano Moreira, 37 anos, as que abordam cenários apaixonados seguem como os destaques recentes da carreira.
Nascido em Farroupilha, o também compositor está há 10 anos no Rio de Janeiro, onde estreitou laços com diversos artistas, e consagrou-se com o grupo Melim. Pega a visão, Paz e amor, Quem me viu e Azulzinho, são algumas das canções da banda pop que contam com a assinatura de Juliano. E a relação da música com o dia a dia das pessoas, para ele, demonstram o poder que ela tem de permanecer na vida de praticamente todo mundo.
— A música dá liberdade para você sorrir, chorar, se divertir, para ter uma lembrança, uma saudade. É uma fotografia de um momento. Para tudo você precisa da música. Quando tá triste, escuta. Quando tá alegre, escuta. Quando tá mais ou menos, escuta. Só vai mudando as músicas ao longo do tempo — opina o farroupilhense.
E retratar a realidade é o desafio e a inspiração de quem faz parte de todo essa cena. Para Juliano, a forte conexão das pessoas com as músicas de histórias de dor e paixão acontece pela identificação imediata com capítulos da vida de cada um.
— As pessoas casam, separam, traem, se envolvem, se desiludem com o amor. E quando fala de amor sofrido é porque as pessoas se identificam. Todo mundo traiu, foi traído ou sofreu pra caramba em um relacionamento. Pelo menos uma vez na vida, todo mundo vai passar por uma separação, um desgosto emocional — resume o músico.
"Nem se tentasse te escrever Eu poderia descrever você, iê-iê-iê-iê E nem Taj Mahl, nem Cristo A primeira maravilha é tu, (é tu) viu"?
Dos palcos para o relacionamento
Amizade que vira amor. Quem nunca? E, no caso dos músicos Juliano Maciel e Dani Leal, virou até família, com o filho Noah, de 3 anos, estampando as fotografias da casa, no bairro Ana Rech, em Caxias do Sul. O encontro que começou nos palcos e foi para a vida tem como pano de fundo as canções que até hoje acompanham a dupla. Há 10 anos, os dois se conheceram tocando em uma banda que se apresentava em bailes por todo o estado. Da parceria para o relacionamento foram alguns meses e, quando se deram conta, já eram parte inseparável um da vida do outro. Assim como as trilhas sonoras.
A música, claro, teve papel fundamental. Além de, com o tempo, se tornar a principal ocupação e fonte de renda de ambos, permitiu que admiração e suporte caminhassem na mesma direção. Um dos principais momentos da relação foi o lançamento, em novembro de 2022, do tributo que Dani Lima idealizou para a rainha da sofrência, Marília Mendonça. Fã e intérprete juntas para homenagear o fenômeno do sertanejo, que morreu um acidente aéreo no mês de novembro de 2021.
— O tributo começa com um trecho que a Marília eternizou em uma live, e eu regravei, com as imagens dela no telão. Eu entro com o mesmo figurino que ela usou nesse show, com óculos e tudo. E cantando “Deixa, deixa mesmo de ser importante...” e a galera vem junto. O tributo à Marília é um show que sempre dá certo. Sempre lota e o público canta junto todo repertório — conta Dani.
A bebida entra, a sofrência sai. Nas apresentações, Juliano, que acompanha a esposa na guitarra durante os shows, revela que as letras que falam de dor e sofrimento, principalmente os grandes clássicos do sertanejo, precisam ficar da metade para o fim dos shows, quando os espectadores já estão “empolgados”.
— Evidências, Boate Azul e Bebi, liguei são as principais. Nós vamos sentindo o público, vendo o que mais encaixa, inclusive atendendo a pedidos. Mas as mais sofridas ficam para o fim. Emoção e bebida fazem todo mundo cantar junto. Eu acredito que as pessoas cantam com vontade a sofrência por lembrarem de momentos, mesmo não mais vivendo aquilo, e também por empatia. Se do lado alguém se emocionou, vou me emocionar também — brinca Juliano.
“Relaxa, não vou mais dar show. Eu era doida assim, mais doida de amor. Falou pra me tratar, tratei, tratei de te esquecer. Só sendo louca pra voltar pra você”.
A música que nunca mais acabou
Em alguma madrugada perdida no ano de 2014, a banda que tocou a música Abelha, da dupla João Bosco e Vinícius, na antiga casa noturna Xerife, em Caxias do Sul, jamais poderia imaginar que, quando encerraram o último acorde, a canção nunca mais acabaria. Ao menos para os caxienses Maicol de Brito e Patrícia Subtil.
Da dança improvisada a uma história de amor de uma década, o lugar comum é o sucesso sertanejo que passou a ser a trilha de muitos momentos do casal. A história contada pelos dois na oficina mecânica que administram no bairro Santa Catarina é recheada de episódios embalados por Abelha, inclusive quando a canção precisou dar uma ajudinha para os dois.
— Na nossa época, há 10 anos, o forte de Caxias era o sertanejo. E a gente se encontrou ali. Desde que ele me tirou para dançar naquela noite, nós temos essa música como tema. Cada vez que tocava, lembrava dele. Até hoje, quando começa, nós nos olhamos e rimos. Os dois gostam bastante de dançar, e acertamos o passo por meio dela. Inclusive, em algumas brigas que tivemos neste tempo todo, a música ajudou na reconciliação, por lembrar de tudo que temos — relata Patrícia.
E a predileção pelo sertanejo vem de muito tempo. Tanto nos tempos de solteiros, quanto na infância, por influência das famílias.
— Eu escutava desde criança, com os pais em casa, mas era mais o sertanejo raiz. Agora, o que mais toca na nossa casa é Henrique e Juliano, Marília Mendonça, Jorge e Mateus, Gusttavo Lima. Ouvimos muito — afirma Maicol.
Para Patrícia, a conexão com o estilo musical vem dos sentimentos e reconhecimento com o que se escuta.
— As letras contam a vida das pessoas, dos casais. A letra do sertanejo, diferente de outros gêneros, tem isso. Até quem não está apaixonado, sofre. Mexe com o sentimento — aponta a fã do sertanejo universitário.
"Como uma abelha pousa numa flor. Mansa, você chegou me dando amor. Como uma abelha ferroou meu coração. Deixou saudades e o veneno da paixão".
Raça Negra e Bruno & Marrone se apresentam neste sábado, nos pavilhões
Assim que Raça Negra soltar o “Olha só você, depois de me perder. Veja só você... que pena”, na noite deste sábado, no último fim de semana da Festa Nacional da Uva, poucas pessoas vão ficar alheias ao sofrimento que a letra emana. O grande hit de uma das bandas de pagode mais conhecidas da música brasileira é apenas uma das faixas aguardadas pelo público que irá lotar a Arena de Eventos do parque.
No show dançante e com muitos clássicos, o Raça prepara a cancha para a dupla Bruno & Marrone, que sobe ao palco na sequência, trazendo uma lista interminável de sucessos que os fãs sabem de cor. Entre Se não tivesse ido e Te amar foi ilusão, a disputa será por quem conseguirá chegar ao fim sem derramar ao menos uma lágrima, ou com a voz intacta, depois de tanto cantar. Do pagode ao sertanejo, uma noite que ficará para a história da Festa.
Programe-se:
- O quê: Shows de Raça Negra (a partir das 21h) e Bruno & Marrone (às 23h30min).
- Quando: sábado (2)
- Onde: Arena de Eventos, no Parque da Festa da Uva.
- Quanto: Ainda dá tempo de garantir ingressos para curtir o último show nacional da Festa da Uva. A venda ocorre neste site. O setor Arena está no 5º lote, com ingressos a partir de R$ 100(+taxas). Para as mesas, o setor Bistrô Extra está disponível, a partir de R$ 1,5 mil(+taxas). Os setores On Stage Open Bar e Open Food estão no 7º lote, com ingressos a partir de R$ 500 +taxas. Para o setor Área Vip – Copo cheio, os ingressos do 4º lote estão à venda a partir de R$ 180 +taxas. O setor Camarote Coletivo está no 4º lote, a partir de R$ 250 +taxas. Se houver ingressos disponíveis, também serão vendidos no local, no dia do evento. Pessoas com deficiência (PcDs) têm entrada gratuita garantida na Festa da Uva e nos shows, com espaço especial junto ao setor Camarote Coletivo. Acompanhantes pagam o valor do ingresso referente ao Espaço Arena.