É no município de Laranjeiras, no leste de Sergipe, que o fotógrafo Samir Tuffy encontra inspiração para resgatar a memória e a história da comunidade que tem uma conexão profunda e significativa quando o assunto é a escravidão. A partir desta sexta-feira (1º), às 19h30min abre a exposição Mel de Cabaú, no Centro de Cultura Ordovás. A mostra fotográfica em preto e branco, revela os personagens que realizam anualmente, no segundo domingo de outubro, a Festa dos Lambe Sujos e Caboclinhos.
A festividade, segundo o artista baiano, radicado em Caxias, representa a fusão do Brasil Colônia ao atual, trazendo à luz da cena indígenas, escravocratas e escravizados. Nas fotografias, pessoas de todas as idades e ocupações são os personagens de uma batalha. Samir explica que essa luta, representada na festa, apresenta os conflitos entre indígenas e negros, sob a influência dos senhores de engenho. No período da escravidão, no Brasil, que se inicia na década de 1530 e se estende até 1888, os indígenas eram convocados a capturar escravizados que fugiam para os quilombos, em troca de recompensas materiais.
— É algo que acontecia de fato. Os negros foram se rebelando e começavam a fugir. Os indígenas ajudavam os senhores de engenho, que ofereciam recompensas. Porque ninguém conhece a mata como os indígenas. Os fugitivos trabalhavam no canavial, com mão de obra escrava e faziam melado. É daí que vem o nome Mel de Cabaú — contextualiza Samir.
O nome da exposição é uma referência à estratégia utilizada pelos fugitivos, que misturavam o melado com carvão e passavam pelo corpo para se enrolarem em folhagens, com a finalidade de se esconder dos indígenas. Por isso, algumas das pessoas retratadas na exposição têm a pele pintada com tinta escura. Os personagens que representam os Caboclinhos, indígenas a serviço dos senhores de engenho, por sua vez, pintam a pele de vermelho.
— Estudei em Aracaju (capital de Sergipe) e visitei a cidade algumas vezes. Quando vim morar no Rio Grande do Sul, tive vontade de fazer essa exposição e de reviver aquilo. Uma coisa que eu notei, já com outro olhar, é que vai gente do mundo todo na festa. Com isso a cidade se transforma. E essa exposição é uma forma de resgatar tudo isso, porque, em vários lugares, a escravidão existiu e ainda existe em outros formatos. Trazendo essa exposição para o Rio Grande do Sul, pela primeira vez, ela mostra o nosso Brasil, a nossa cultura, que não é só do Nordeste. Faz parte do Brasil, bem grandioso, e evidencia essa manifestação — defende.
As fotografias, diz Samir, refletem a emoção e a intensidade dessa festa tão tradicional em Laranjeiras, mas também estabelecem um diálogo importante nesse mundo contemporâneo.
— É uma exposição que fala das pessoas pretas, fotografada por um artista nordestino, baiano e preto. Isso traz um impacto muito interessante. Não há exposições sobre as pessoas negras e isso é um ato muito impactante — orgulha-se Samir.
Sobre a Festa dos Lambe Sujos e Caboclinhos
A manifestação dos Lambe Sujos e Caboclinhos começou por volta de 1860, em Laranjeiras, no Sergipe, ainda antes da abolição da escravatura no Brasil, ratificada oficialmente em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea. A festividade representa a batalha de Lambe Sujos, que representam os escravizados, contra os Caboclinhos, representando os indígenas. Os grupos simulam a luta para resgatar a princesa que teria sido raptada pelos negros. Os Lambe Sujos pintam a pele com carvão e esfregam no corpo mel de cabaú, vestindo uma espécie de touca e uma bermuda vermelha. Os Caboclinhos pintam o corpo com tinta avermelhada e usam cocares.
Diálogo contemporâneo
Logo ao lado da Sala de Cinema Ulysses Geremia, a Sala de Exposições do Ordovás recebe nesta sexta-feira (1º), às 18h30min, a mostra A Arte Sonora: reflexões das linguagens contemporâneas com obras do Amarp. A curadoria é de Mona Carvalho, coordenadora da Unidade de Artes Visuais, em diálogo com o artista Marcelo Armani. O artista de Carlos Barbosa cria instalações que exploram as interações entre som e imagem.
— Minha pesquisa artística surge de um profundo interesse que investiga o campo sonoro e sua transversalidade em múltiplas linguagens e suportes. Conduzo a minha trajetória artística abordando o material sonoro não apenas como um elemento estético, mas também como elemento que amplifica características e qualidades físicas do objeto sonoro em suas múltiplas propostas sensoriais — explica Marcelo Armani.
O Amarp celebra 20 anos de história, em maio de 2024, e as exposições que ocorrem durante todo ano trarão olhares, provocações e questionamentos que convidam os visitantes a pensar o futuro do acervo.
Agende-se
- Mel de Cabaú, do fotógrafo Samir Tuffy, na Galeria de Artes do Ordovás
- A Arte Sonora: reflexões das linguagens contemporâneas com obras do Amarp, com curadoria de Mona Carvalho em diálogo com o artista Marcelo Armani, na Sala de Exposições do Ordovás.
- Abertura oficial nesta sexta-feira (1º), a partir das 18h
- As duas mostras fica em cartaz até o dia 31 de março, com entrada gratuita. Quem quiser conferir, os horários são: segundas, das 9h às 16h30min; terças a sextas, das 9h às 22h; sábados, domingos e feriados, das 14h às 22h.