O escritor português Afonso Cruz fala como se escrevesse crônicas. Como quem observa um bocado do que ocorre lá e cá, dentro e fora, e tece, como se fosse a tapeçaria que há em Para onde vão os guarda-chuvas, apenas pra citar um de seus tantos livros publicados no Brasil, relacionando sua vida de leitor, escritor e de quem dribla a mortalidade, com as inquietudes, sorrisos e silêncios de quem o escuta. Não sei se é sempre assim, mas foi assim no último sábado (6), à tarde, durante o bate-papo na Do Arco da Velha Livraria e Café, com mediação da cronista do Jornal Pioneiro, Adriana Antunes.
Quando um autor é questionado por sua obra, sejam essas perguntas motivadas por curiosidade, certa confrontação do porquê disto e daquilo, ou até mesmo de onde tira todas essas imagens poéticas?, é quase sempre desconfortável. Porque é como se o autor precisasse se justificar por ter escrito o que está em livro.
Contudo, Afonso Cruz, ao responder aos mais diversos questionamentos, abranda essa certa tensão com bom humor e docilidade, trazendo o que parece complexo ao nível do que é simples — nem por isso, fácil ou raso.
— A beleza está no objeto ou nos olhos das pessoas que o veem? A beleza está no diálogo das duas coisas — sintetiza.
Ou ainda, quando questionado acerca da felicidade. Tema que invariavelmente retorna às conversas literárias. Quase sempre deixando mais pistas pelo caminho do que certezas e convenções.
— A felicidade, pra mim, é mais um pano de fundo, um cenário, do que uma alegria permanente.
— Quando minha mãe morreu, eu estava triste, talvez tenha sido o dia mais triste da minha vida. Mas, se me perguntassem se eu era feliz, diria que sim — complementa Cruz, pontuando que a dor do luto não apaga as cenas que criaram as memórias de felicidade ao lado de sua mãe.
E tem como ser mais simples do que se afirmar como leitor bem antes de ser reconhecido como escritor? Pois é.
— Passo os dias a ler e nem sempre a escrever. Tento fazer com que a escrita não seja uma imposição — revela.
Simples como cozinhar. Cruz diz que não adianta ter a melhor técnica culinária. Para fazer uma boa refeição é preciso dispor de bons ingredientes, quanto melhores, melhor o resultado à mesa. E sentencia:
— O valor da Odisseia é manter-se — afirma o autor, reiterando que é o leitor quem define a perenidade de uma obra.