O casamento tradicional, aquele sacramentado no altar de uma igreja, não deixou de ser sonho e realização dos casais, mas parece ter mudado de cenário em Caxias do Sul, principalmente após a pandemia. Celebrações realizadas no interior dos clássicos espaços religiosos têm dado lugar a festas ao ar livre, com menos protocolos e ritos e mais comodidade.
Sempre muito procurada para ser palco de matrimônios na cidade, a Igreja de São Pelegrino recebia, em um passado recente, até quatro celebrações por sábado, dia reservado pela paróquia para os casamentos. Neste ano, apenas cinco foram realizados até então, e o próximo está marcado só para setembro.
Atento às novas escolhas de quem sobe ao altar, o pároco de São Pelegrino, padre Oscar Roberto Chemelo, acredita que mudanças culturais estejam influenciando os noivos:
— Alguns casais preferem celebrações mais alternativas que marcam socialmente uma união, mas que não necessariamente seja o sacramento do matrimônio. É um perfil de fé e compreensão de família que vai mudando, às vezes, conforme a cultura.
O baixo número de casamentos não é uma exclusividade de São Pelegrino e ocorre também na Catedral Santa Tereza, onde até agora apenas três cerimônias foram realizadas em 2023. De acordo com a secretaria da paróquia, outras 10 estão marcadas para o decorrer do ano. Na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, no bairro de mesmo nome, foram seis celebrações até aqui.
No entanto, a menor procura por celebrações nas igrejas não significa que casais deixaram de registrar a união. No papel, os cartórios de registro civil de Caxias do Sul têm superado o volume de uniões a cada ano.
Em 2022 foram realizados no município 1.984 casamentos, um aumento de 21% em comparação às 1.638 uniões realizadas em 2021. Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil e mostram que uniões realizadas em cartório no ano passado superam, inclusive, os registros de 2019, último ano antes da pandemia de covid-19.
Até esta sexta-feira (14), 532 casamentos foram registrados nos cartórios de Caxias em 2023. O número deve superar, antes que o semestre encerre, todos os sacramentos de matrimônio realizados pela Diocese no ano passado. Em 2022, foram realizados 634 nos 32 municípios representados.
Mudança no perfil
A cerimonialista Daniela Camargo organiza casamentos há 20 anos e viu o perfil de celebrações mudar ao longo do tempo. Atualmente, a cada cinco matrimônios que organiza, apenas um é realizado no interior de igrejas. O marco, segundo ela, foi a pandemia, quando se passou a priorizar festas ao ar livre e com menos convidados.
— Foi uma virada de chave para casamentos mais íntimos. São raras exceções de casamentos com mais de 150 pessoas — exemplifica.
No entanto, a escolha dos casais em selar o compromisso fora de templos religiosos esbarra na presença do padre que, por decisão do Bispado, não pode realizar matrimônios em outro lugar que não em uma igreja ou capela habilitada pela congregação.
— Acredito que as pessoas já estão bem desapegadas e já sabem que uma cerimônia tradicional tem que ser em igreja. Quem opta pelo ar livre se adequa com outro tipo de ritual — acredita a cerimonialista.
O motivo de padres não conduzirem casamentos em locais abertos como praias e jardins vem do caráter consagrado que os templos possuem. E é esse ambiente que, para a Igreja Católica, casais que desejam sacramentar a união perante Deus devem procurar. A preocupação para o padre Chemello é que fora da igreja, e mesmo com a benção de um padre, a celebração não passe de uma simulação.
— Templo é o local de oração da comunidade, que também ajuda no rito. O ambiente dedicado a Deus faz parte de um protocolo, então realmente se pede que o matrimônio seja ali. Por vezes um padre amigo da família é convidado, mas só a presença do sacerdote não legitima a união. Então evitamos essa ideia e deixamos claro que ali não é um sacramento, é um outro rito social, um evento que marca a união do casal, mas que não tem valor e eficácia sacramental — explica Chemelo.
O "sim" diante de Deus
Antes de entrar na Igreja rumo ao altar onde o casamento será sacramentado, homem e mulher trilham o que o padre Oscar Chemelo chama de percurso de amadurecimento. Após os documentos que comprovem que o casal foi batizado, crismado e também irá se casar no civil, cinco encontros são marcados para criar o que, nas palavras dele, levarão ao sim de um para o outro diante de Deus.
— É preciso conhecer as motivações, a caminhada de fé e o porquê da escolha do casal por São Pelegrino. Após essa conversa a data é marcada e novos encontros são combinados para o amadurecimento do casal. Lá orações são feitas e um vínculo é criado para que de fato o casal tome uma atitude madura e consciente — explicou.
O sacramento do matrimônio é tratado como um caminho e tem direções claras para a Igreja Católica. É a preparação espiritual que não pode ficar de lado em detrimento do que Chemello trata como preparação social.
— A institucionalização pode ser que assuste um pouco o casal, a proposta do matrimônio católico é até que a morte os separe, como bem dito no altar. Cada um vai para o casamento com sua história e esses momentos de formação acontecem para fortalecer a fé que irá iluminar a vida do casal. Não é uma mágica, mas quem se abre a cultivar a espiritualidade à dois tem mais recursos para resistir a tudo aquilo que é tentação de dissolver a família — analisou.
Quem opta pelos ritos católicos entende que o compromisso será firmado também perante a Deus, e quem os celebra compreende a intenção de querer acertar na escolha em trocar alianças.
— Essas relações onde as pessoas vão morar junto por um tempo para ver se dá certo, não é o que a igreja ensina, mas não deixa de ser uma preocupação das pessoas em querer acertar e ser feliz tendo uma família — disse.
Para casar na Igreja de São Pelegrino há ainda os custos com taxas de segurança, iluminação, limpeza e estacionamento. Valores que, no total, dificilmente passarão de R$ 800 e que em comparação com o que é gasto na festa social, na visão do pároco, se tornam irrisórios.
"É uma outra vibe"
De Bento Gonçalves, o casal de videomakers Mateus Ceconi Foletto, 33 anos, e Paula Sandrin, 29, trabalha com casamentos e pôde compor seu evento com as diversas referências vistas ao longo dos anos. Em datas diferentes, tanto o matrimônio na igreja quanto a festa social com ritos mais contemporâneos foram realizados. Mas para o segundo ocorrer, ao ar livre, com 150 convidados e celebrante, o primeiro precisou ser sacramentado.
— Casamos na Igreja Cristo Rei em dezembro em uma cerimônia para nossos familiares e em fevereiro na Villa Fitarelli, no interior de Garibaldi. Para o religioso participamos de um curso de um dia inteiro, que poderia ser de duas horas e com uma missa ao fim dele. Para minha avó o casamento já tinha acontecido, mas chegou no dia (da cerimônia ao ar livre) não teve quem não chorasse. Minha avó, que achava que casar era só na igreja, viu um estilo totalmente diferente — conta Paula.
Noiva por duas oportunidades em locais distintos, ela usou um vestido branco mais simples na Igreja e outro com direito a véu e grinalda a céu aberto como sonhava. Foram os votos, uma tradição em que noiva e noivo se comprometem publicamente em discurso, que encabeçava os desejos de um casamento dos sonhos.
— Era a ideia principal, pelo cenário, pelas cores, pelo ambiente e também pensando nos nossos convidados. Casar ao ar livre e ter a possibilidade de fazer os votos foi extremamente importante na nossa decisão, é uma outra vibe — explicou.
Uma experiência única
É o Pinterest, plataforma de compartilhamento de imagens e inspirações, que para a cerimonialista Caro Polly, tem incentivado a mudança nas preferências dos noivos. Navegar no site é encontrar uma infinidade de referências para quem pretende, além de casar-se, criar uma experiência única aos convidados.
— O aplicativo provocou muito esse casamento à luz do dia e mais minimalista. Então essas festas na Região da Campanha ou em meio aos vinhedos e também na beira da praia são uma tendência que surgiu ali — contou Caro.
São as fotos em castelos medievais e sob a luz do pôr do sol que levam noivos de todo o planeta a sonharem com festas em que Caro tem assessorado a organização. É na Toscana, em uma das regiões mais românticas da Itália, que casamentos como os que têm ocorrido na Serra já têm seu perfil consolidado.
Em propriedades que oferecem pacotes de hospedagem para momentos que integram cerimônia e recepção o investimento é alto, e segundo a cerimonialista pode custar até 40 mil euros para um dia de festa com 30 convidados. Na conversão atual, são cerca de R$ 220 mil sem contar as passagens. No entanto, o valor é muito próximo do que casais tem gastado para casamentos com muitos convidados no Brasil.
— Há quem reflita se vale mais uma festa com muita gente ou se prefere rever o número de convidados e investir em uma experiência única. A Toscana se tornou um destino, porque todo lugar é pensado para isso, então é uma fábrica de casamentos — contou.
Na Itália, sede do cristianismo, padres também não realizam o sacramento matrimonial fora das igrejas e nos casamentos presenciados por Caro, são amigos, padrinhos ou celebrantes que decretam o famoso pode beijar a noiva.
— É um pouco estranho, a igreja é o que causa o frio na barriga que toda noiva quer sentir, mas acho que os protocolos da Igreja Católica têm afastado um pouco os casais, que acabam optando pelo rito social e não mais pela consagração — analisou.
A nova estética dos casamentos é presenciada de perto também pelos fotógrafos, responsáveis por eternizar o casal nos cenários pensados por eles durante a organização. E a assinatura que cada um deles coloca em seu trabalho também contribuiu para a mudança de perfil dos casamentos. Com poucos dias livres na agenda de 2023, Bruno Kriger é disputado para registrar os eventos muito por causa do currículo repleto de cerimônias de todos os tipos.
— Não sei se é em função do estilo de trabalho que estamos mostrando, mas se vê um grande aumento no casamentos fora da igreja. Tem muito do reflexo do estilo dos noivos, quem opta pela igreja ou é por causa de um sonho ou em função de que padres não consagrem ao ar livre — afirma Kriger.
Capelas em espaços de evento oferecem comodidade aos noivos
A geografia que se assemelha a da Toscana e a cultura de gastronomia farta fazem a Serra gaúcha ganhar espaço e também se tornar destino para casamentos. Propriedades afastadas da área central se estruturam para receber eventos como os que ocorrem fora do país e como sonham as noivas que trazem as referências do Pinterest.
Em São Luiz da 6ª Légua, no interior de Caxias do Sul, a família Demori inaugurou, em sua propriedade, a Capela Nossa Senhora do Sorriso que dá a oportunidade de casais realizarem suas celebrações muito próximos de onde a festa acontece, na Casa de Eventos Merceretto.
Construída em modelo franciscano a estrutura é de responsabilidade da paróquia da localidade e foi idealizada com o incentivo do frei italiano Luigi Ceara. Vanessa Demori o conheceu em Milão quando morava na Itália e fez a amizade se estender à família.
— É uma capela particular, que tem validade como igreja e pode receber casamentos. Foi construída também por uma necessidade dos casais que não queriam se deslocar entre a celebração e o evento. Quando é ao ar livre, o casal já tem de ter casado na igreja para uma benção externa — explicou.
Além dos cerca dos 15 matrimônios já realizados, a Capela de Nossa Senhora do Sorriso, que tem capacidade para até 150 pessoas, recebe missas abertas às 11h de todos os terceiros domingos do mês.
Na Estrada do Imigrante, na comunidade Nossa Senhora das Graças, a família Camatti insistiu para que a Capela Santo Antônio, inaugurada em março de 2020, fosse licenciada para realizar matrimônios. A estrutura foi idealizada meses antes da pandemia e o investimento por pouco não foi comprometido devido ao cancelamento dos eventos e a ausência da chancela do Bispado.
Até que em julho de 2021, o bispo Don José Gislon assinou o documento autorizando padres a consagrarem o matrimônio no local. Desde lá, os casais são encaminhados a Paróquia Imaculada Conceição que realiza os ritos e encaminha os freis capuchinhos para a celebração.
Com dezenas de pés de oliveiras no entorno, a Capela Santo Antônio tem características açorianas e abriga em sua estrutura o crucifixo octogenário que adornava a capela do antigo Hospital Del Mese, no centro de Caxias. A estrutura, muito próxima de onde os convidados são recebidos, oferecia as possibilidades sonhadas pela professora Mônica Slongo Pretto, 44. A intenção de sacramentar o matrimônio no religioso e ao mesmo tempo realizar uma festa à luz do dia foram colocadas em prática na primeira semana do ano.
— Se não encontrássemos a capela habilitada para receber o sacerdote, teríamos que fazer a festa em um salão paroquial, por exemplo — conta Mônica.
Muito distante do que era projetado por ela, de receber seus convidados em um gramado no final da manhã com cenário e luz natural e que seriam eternizados em fotografias.
— Ainda choro olhando as fotos, queríamos um lugar cômodo para a família e locais como esse trazem muitas oportunidades de eventos externos e internos. Não que a igreja não seja importante e bonita, mas existem outros tipos de casamento que te proporcionam a mesma emoção que dentro delas — avalia.