Faz parte do sacerdócio o mistério de seguir a vocação religiosa e dedicar a vida aos ensinamentos de Jesus Cristo. Mas isso não significa que a vida dos padres católicos tenha de ser envolta em mistérios, como se vivessem numa caverna escura ou como se fossem anjos que descem do céu para rezar uma missa e voltam para algum lugar divino. Essas são as figuras que o próprio padre Daniel Zatti, da Paróquia de São
Ciro, em Caxias do Sul, usa para comentar sobre o uso que ele e outros religiosos fazem cada vez mais das redes sociais como um meio para estar mais próximos dos fiéis ou para ajudar a despertar em outros jovens, como eles também em maioria são, o interesse pelo sacerdócio.
Zatti, que tem 35 anos, tem o Instagram (@danieldagnoluzzozatti) como ferramenta preferencial para falar com seus mais de 2 mil seguidores. A maior parte das postagens são respostas a questões enviadas por uma ferramenta específica dentro da rede social, onde é provocado a responder sobre sua vida de fé, sobre o que pode e o que não pode um padre fazer, mais ou menos como alguém interessado em cursar determinada faculdade perguntaria a um profissional experiente na área:
— O jovem que começa a ter um interesse pela vocação ao sacerdócio vai procurar nas redes sociais em primeiro lugar. Quando há essa possibilidade de interação, isso dá frutos. O fato do padre estar conectado não é o que vai gerar a resposta vocacional, mas vai servir como uma janela aberta para o contato.
Alguns jovens seguidores às vezes divertem o padre com perguntas sobre os seus próprios hobbies, que por vezes aparecem em postagens:
— Já me perguntaram se padre pode andar de skate, ou ir para a academia. São coisas que a gente não imagina que vão causar surpresa, mas fato é que o local onde o padre é mais visto é na celebração das missas. Quando a gente desmitifica a figura do padre como um ser misterioso, e mostra que ele leva uma vida concreta, com alegrias e tristezas, o cidadão comum passa a vê-lo como um igual, mas sem deixar de tê-lo como um modelo de caridade e de sentido de vida — pontua Zatti.
Lives de oração
Foi durante a pandemia que o pároco da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul, Leonardo Inácio Pereira, percebeu o potencial das virtualidades no encontro entre os padres e os fiéis. Sem missas presenciais, a paróquia criou o hábito de fazer orações do terço transmitidas pelo YouTube, que chegavam a reunir 100 pessoas acompanhando ao vivo.
No início deste mês, o padre decidiu recorrer novamente à oração transmitida ao vivo, dessa vez em seu perfil no Instagram (@leoipereira), durante o período de advento, como são chamados os dias que antecedem o Natal:
— O tempo do advento, em preparação para o Natal, se caracteriza por ser de maior interioridade e de busca de conhecimento pelas coisas de Deus, pela busca da dimensão do perdão, da oração interior. Então eu pensei: por que não oferecer às pessoas que quiserem uma oração diária, que contemple a liturgia da nossa igreja?
Sempre às 6h, as transmissões chegam a ter 40 pessoas orando com o Padre Leonardo. A maioria é de jovens, mas também há pessoas de meia idade e até idosos. Todos dão um retorno muito positivo através de comentários ou de mensagens diretas.
— Tento transmitir uma mensagem atualizada da palavra de Deus. Recebo depoimentos de pessoas que não tinham entendido a Bíblia tão bem quanto estão entendendo agora, nessa primeira semana de oração, e também de pessoas muito enfáticas ao dizer que nunca tinham vivido o tempo de advento como estão vivendo agora, com disciplina, acordando cedo e rezando junto com uma comunidade virtual. Ver o resultado acontecendo em forma de mudança de vida, pela oração, é muito bonito.
O padre trilheiro
É entre a batina e o macacão que o padre motociclista Pablo Cechinato de Lima leva sua rotina acompanhada por mais de 100 mil pessoas no Instagram (o–padre–ta–on–pablolima1993) e por outras mil que assinam o seu canal no YouTube. Sob a alcunha de “O padre tá on-off road’, o pároco de Cacique Doble, da Diocese de Vacaria, posta suas aventuras quase semanais em trilhas ou eventualmente no asfalto.
Tão espiritualizado quanto espirituoso, o religioso alcançou os milhares de fãs com postagens divertidas, mas também ajudando a divulgar encontros de trilheiros, atendendo a pedidos para abençoar trilhas ou dando dicas sobre equipamentos e noções de segurança que ele mesmo segue à risca, pois no dia seguinte é preciso estar pronto para rezar a missa.
— Acho que é um nicho que estava aberto. Conheço outros padres que são trilheiros, jipeiros, que praticam outros esportes, mas não compartilham. Como eu tinha a câmera e gostava das redes sociais, comecei a postar e o perfil foi chamando a atenção, principalmente com alguns vídeos que foram compartilhados por páginas com milhões de seguidores. É bacana mostrar que é possível conciliar a vocação religiosa com outras atividades, como o gosto por esportes radicais — conta o padre, que também gosta de tocar gaita e chega a animar alguns encontros comunitários com o instrumento.
Apesar da paixão pela moto, a responsabilidade com a igreja vem em primeiro lugar e não fica de lado nem quando está adentrando as matas mais fechadas sobre duas rodas. São momentos também de falar de Cristo e de fazer a oração pessoal:
— É um carisma a mais que eu tenho, e por que não usar para a evangelização? Sempre que estou na trilha rezo com os trilheiros, converso com Deus para me ajudar a encontrar os melhores caminhos. Mantenho a humildade em primeiro lugar, porque o padre é uma extensão de Cristo e tem de estar sempre disposto a atender as pessoas. Tento responder a todas as mensagens, que em maioria são muito carinhosas. Quando eventualmente alguém falta com respeito, acho que aquela pessoa é a que mais precisa de oração. Mas se vejo que não tem jeito, eu bloqueio.
Com o respaldo dos papas
Coordenador da Pastoral Vocacional da Diocese de Caxias do Sul, o padre Marciano Guerra, 33, considera que as redes sociais são um importante canal aberto para aproximar os jovens da vocação religiosa. Esse é um dos motivos que o fazem ser um usuário bastante ativo no Instagram (@marciano–guerra), além de estimular uma linguagem mais descontraída para as próprias redes sociais do Seminário Aparecida (@seminarioaparecidacxs/), alimentadas pelos próprios jovens que estudam para seguir o sacerdócio no futuro.
— É bem comum, quando alguém passa a seguir o meu perfil ou o do Seminário, surgir uma pergunta ou uma curiosidade que aquela mesma pessoa não teria a coragem de se aproximar e fazer após uma missa, por exemplo. Já vimos acontecer de um jovem expressar o desejo de seguir a vida sacerdotal ao ver o cotidiano dos seminaristas mostrado com mais leveza. Normalmente essa aproximação virtual permite que, ao ter um encontro presencial, ocorra uma conversa mais natural e mais aberta — avalia.
Marciano comenta que foi a inspiração em um padre com estilo de vida mais descolado, que gosta de andar de moto em São Marcos, sua cidade natal, que o inspirou a querer seguir a vocação religiosa, quando tinha 15 anos.
— Eu achava muito legal ver como ele conseguia conciliar sua missão com seus momentos de lazer, estando gratuitamente junto às pessoas. No meu dia a dia, quando tiro férias ou quando vou a algum show, e posto uma foto, acho legal ver as reações das pessoas, os comentários. Ajuda a mostrar que aquilo que a gente vivencia tem uma especificidade, é uma vocação única, mas não nos tira da vida. Apenas nos coloca na vida de um modo diferente.
Embora na Diocese possa haver eventualmente algum conflito pontual de gerações, no entendimento sobre um meme ou uma brincadeira, o padre salienta que o uso saudável das redes sociais para ir de encontro aos fiéis também têm sido apoiado pelos papas, em suas mensagens anuais emitidas no Dia Mundial das Comunicações Sociais.
— Há textos que fundamentam muito essa questão, principalmente a partir do Papa Bento XVI e do Papa Francisco. E isso faz com que todos os públicos, independente da idade ou do conhecimento que têm sobre a linguagem das redes sociais, passem a entender que para as novas gerações isso já é algo muito natural.