Um ensinamento popular diz que a felicidade não está no fim da jornada, mas no caminho percorrido até encontrá-la. E para quem ainda tem alguma ressalva quanto a essa afirmação, basta uma simples conversa com os integrantes do Camelos da Serra Jeep Club para começar a mudar de ideia. O grupo de aventureiros de fim de semana pode até ter perdido as contas da quantidade de trilhas já percorridas, mas as boas lembranças e as histórias hilárias vivenciadas entre amigos ainda estão frescas na memória. São inúmeros perrengues, incontáveis brincadeiras e momentos de amizade acumulados ao longo dos 25 anos do grupo de jipeiros, completados em outubro.
A receita que deu início ao Camelos da Serra é muito simples: apaixonados por roncos de motores, potência sob quatro rodas e desafios juntaram-se e começaram a desbravar trilhas Rio Grando do Sul afora. E, é claro, essa rede de amizade foi crescendo na mesma medida que as expedições. Seja na lama, na chuva ou morro acima, o que esse grupo gosta mesmo é de explorar limites — os deles próprios e os da natureza.
Em 1997, o Jeep Club nasceu com 15 fundadores. Hoje, são 34 sócios e mais suas famílias. Daquela época, apenas três continuam ativos: o vendedor Marcos Amadori, 54 anos Amadori, o mecânico Valmir Mazuchini, 58, e o empresário Márcio Cardoso, 54.
– Nascemos do amor de andar de jipe e fazer trilha. Andar no barro, no meio do mato, na água... Fomos reunindo pessoas e crescendo. Só que hoje, é muito mais a amizade e a integração entre as famílias. Esta é uma segunda família para todos – salienta Amadori.
Nos primeiros anos, o Camelos da Serra realizava uma trilha por semana. Na época, o clube participou de competições, mas logo percebeu que não era este o intuito da união. O clube se consagrou mesmo como "aventureiros de fim de semana".
Com integrantes mais experientes e com mais responsabilidades do que na época da fundação, a média de trilhas do Camelos da Serra, naturalmente, diminuiu. Agora, o grupo se reúne uma vez por mês. Mas as histórias vivenciadas pela equipe se tornaram clássicas. Entre as expedições de destaque, o Camelos da Serra fez a Estrada do Inferno, entre Mostardas e São José do Norte; a Rota dos Faróis, na Lagoa dos Patos; a beira-mar pela Praia do Cassino e a trilha do Cânion Josafaz, em Três Forquilhas. Estas foram grandes rotas, com planejamento e acampamento. Na rotina de final de semana do clube, as trilhas são feitas nos Campos de Cima da Serra.
Para quem gosta de jipe e de aventura, o clube está sempre aberto. O único requisito é ter um veículo de tração quatro rodas e o interesse em fazer trilhas. Os sócios têm de 18 a 70 anos, afinal “no jipe, no barro, todos são iguais”. Os interessados podem entrar em contato pela página do grupo no Facebook. A seguir, confira algumas aventuras encaradas pelo Camelos da Serra ao longo desses 25 anos e contadas pelos próprios integrantes.
O Tombo no Rio Lajeado Grande
Por Valmir Mazuchini, 58, mecânico e sócio fundador do Camelos da Serra
"Foi nosso primeiro passeio organizado pelo Jeep Club, acredito que foi no final de 1997. A gente tinha uma ideia de ir até o Passo da Ilha (em Taquara), fazer um churrasco lá e voltar. Chegamos no Passo da Ilha e como tinha chovido muito no sábado de noite, o rio não deu passagem e aí resolvemos voltar até a Lajeado Grande onde tem um camping. Almoçamos lá e, na hora de ir embora, o Fábio, que tem uma F75 azul, resolveu cruzar o Rio Lajeado Grande. Lembro que disse para ele não ir, que lá tinha um poço bem fundo. Como ele era teimoso, ele foi. Quando chegou bem no finzinho, não deu outra. A picape mergulhou no poço e flutuou, como se fosse um barco.
O que a água fez? Pegou na caçamba e jogou a picape, que ficou com as quatro rodas para cima. A gente se assustou na hora, fomos correndo pra lá, mas ele conseguiu pular fora da camioneta e ficou em cima do chassis com ela parada. E daí o que que a gente fez? Primeiro amarramos o meu guincho na caminhonete dele lá dentro. Fiquei fora do rio com ela amarrada. Um outro jipe foi com o guincho para desvirar ela. Com a própria força da água, foi bem fácil desvirar. Só que eu tinha medo de que, quando desvirasse, o rio levasse ela embora. Por isso, fiquei amarrado e com outro jipe para me ancorar.
Quando viramos (a F75), só se via descendo as bagagens todas. Foi cadeira, lona, tudo que tinha na caminhonete foi embora rio abaixo. Puxamos ela pra fora e tivemos que rebocar até Caxias, à noite, num frio desgraçado. O Fábio dentro da caminhonete, todo molhado, arriscando pegar uma pneumonia. Hoje a gente dá risada. Na época, foi bem complicado. Graças a Deus, ninguém se machucou. Só ele que ficou meio doente por causa de ter ficado molhado. Essas coisas acontecem".
Acampamento dentro de galpão em Mostardas
Por Nestor Menegat, 65, empresário
"Eu era amigo do André e do Cristiano, os dois já participavam do Jeep Club há muito tempo, e me convidaram em outubro de 2017 para um passeio aos faróis de Mostardas. Me convenceram que seria bacana, que eu iria aproveitar e seria o início para pertencer ao Jeep Club. Me organizei, pois na época eu não tinha nenhum apetrecho para acampamento. Pedi emprestado uma barraca, mesa, colchão... Me organizei e fui. Saímos de Caxias com muita chuva. Fomos até Mostardas debaixo de chuva. Foi uma emoção muito grande porque eu não conhecia, não sabia o que era acampar, o que era passar uma noite em barracas.
Como chovia muito, alugamos um pavilhão perto de Mostardas para armar as barracas no interior, fazer alimentação e tomar banho. Para mim, foi uma emoção muito grande dormir a primeira noite em barraca, mesmo dentro de um pavilhão, porque do lado de fora era muita chuva e muito vento. Foi fantástico. Depois, fizemos uns passeios. Foram três dias e fizemos todos os passeios planejados debaixo de muita água. Gostei muito, minha esposa também gostou, pelos amigos que fizemos, pelo contato com a natureza. Em função da chuva, inclusive, não conseguimos chegar em nenhum dos faróis porque a água havia subido muito e nossos carros não conseguiram chegar até os faróis. Mas foi muito emocionante e passei a fazer parte do Jeep Club, com inúmeros outros passeios. Mas, este dos faróis foi o primeiro e o que me deixou mais encantado".
Peça nova não, "usada boa"
Por Gelson Costa, 56, empresário
"A história que tenho pra contar é de um sócio, o Luiz Casara. Ele sofreu um acidente doméstico e precisava de cadeira de rodas, mas, até os últimos dias, andava de jipe com a gente. Cerca de 10 anos atrás, fazíamos uma trilha ao redor da Represa da Maestra. Ele sempre carregava várias peças sobressalentes dentro do jipe dele, para caso precisasse, já ter a mão. Fomos fazer essa trilha e, lá pelas tantas, quebrou uma peça da roda, que chamamos de funil. Tivemos que tirar a roda e todos os parafusos, eram cerca de 11 com porca. Tiramos essa peça e colocamos outra, que ele tinha e chamava de “usada boa”. Fizemos toda essa mudança, tiramos uma, colocamos a outra, montamos esses 11 parafusos, mais a roda e o freio. Andamos cerca de 20 metros e quebrou de novo a mesma peça.
Ou seja, aquela que ele tinha nos dado para substituir a que tinha quebrado. Fizemos todo o processo de novo pra ver o que tinha acontecido. Tiramos a roda, tiramos os parafusos e chegamos a conclusão que era a sobressalente. Aí comentamos com ele, “Pô Casara, quebrou de novo”. Daí ele respondeu “então, agora, vocês trocam essa aí que era usada por esta nova que vou dar para vocês”. Na hora, foi aquela reação: “por que não deu essa peça nova antes?” Ele nos enrolou, que aquela era uma usada boa e tal. Enfim, nessas troca de peças ficamos quase duas horas parados. É uma história que marcou aquela trilha e que relembrar sempre nos faz dar boas risadas".
Se Meu Jipe Fumasse
"A outra história, também do Márcio com esse mesmo jipe, quando fomos fazer a Estrada do Inferno. Fomos até o Chuí, só que desde a saída, em Caxias, este deu problema e começou a sair fumaça. Ninguém conseguia andar atrás deles, porque era muita fumaça. O comentário era que o jipe deles era movido a lenha molhada, que quando queima faz este fumaceirão grande. Foi bem na época do filme “Se Meu Fusca Falasse”, que o Fusca tinha o nome de Herbie. No rádio, durante a viagem, a brincadeira era que jipe se chamava Derby, em relação à marca de cigarro, e o nome do filme era “Se Meu Jipe Fumasse”. É outra história que ficou marcada no clube".
Vencendo a Estrada do Inferno
Por Márcio Cardoso, 54, empresário e atual vice presidente do clube
"Nossa primeira expedição foi para a Estrada do Inferno, que termina lá em São José do Norte. Foi um passeio que reuniu um grupo de pessoas que, na época, ainda era bastante inexperiente. Esse nome, Estrada do Inferno, surgiu porque, quando chovia, essa estrada ficava praticamente intransponível para quem não tivesse um veículo off-road. Muita gente se aventurava com carros normais e acabava ficando, então a vida do camarada se tornava um inferno porque passava muito pouco carro naquela localidade. Era uma estrada muito difícil de transpor. Quando você diz para um jipeiro que é difícil, aí é que ele tem vontade de fazer aquele percurso. Foi o primeiro passeio grande do nosso grupo.
Na época, éramos uma gurizada que não tinha muito conhecimento sobre este mundo off-road. Mas, tinha vontade. Com a determinação de todo mundo, decidimos que iríamos nos “arriscar”. Começamos lotando uma carreta, e depois conseguimos lotar uma segunda. Foram mais de 15 jipeiros. A gente recebia umas pressões negativas de pessoas que não eram do clube e diziam que era uma loucura fazermos esse tipo de passeio. Mas, estávamos decididos! E foi um belíssimo passeio, muito marcante e que até hoje todos lembram com muita emoção. Nós mesmos fizemos socorro de muitos que estavam presos no decorrer do trajeto. Andamos por onde hoje é a BR-101, aquele final dela, que hoje é tudo asfaltado. Fizemos toda aquela ponta final do Rio Grande do Sul com essa turma que era inexperiente, mas era muito convicta daquilo que queria. Foi um passeio diferente e ousado".
Jipeiro não deixa jipe para trás
Por Gilmar Marchesini, 47, mecânico
"Teve um passeio que fizemos em outubro de 2017 para os faróis, lá na Lagoa dos Patos. Chegando lá, fizemos o passeio e acampamos. Depois, fomos andar na areia e teve um dos jipes que deu problema, que é o jipe do André Duarte. Deu problema e não conseguia mais rodar, tinha um barulho bem forte vindo da caixa. Ele estava com medo que, na volta, iria danificar ainda mais o veículo. Paramos e rebocamos para fora da areia. Mas, e aí, o que fazer? A única solução seria contratar um guincho para trazer de volta, mas, por tradição, sempre consertamos qualquer um dos jipes que dá problema nas trilhas.
Sempre viajamos com ferramentas, cada um leva algumas peças extras, juntamos vários tipos daquelas que normalmente podem quebrar. Emprestamos um para o outro, nos ajudamos. Equipe que vai junto tem que voltar junto, né? Sentíamos que o problema era na caixa e que não tinha o que fazer. Ele pegou uma carona e encontramos, numa cidade próxima, uma reduzida, que é uma caixa auxiliar que traciona o jipe 4x4. Levamos o jipe até uma lavagem, onde encontramos uma rampa, desmontamos o jipe e fizemos a troca. Ele conseguiu voltar rodando de lá de baixo, da Lagoa dos Patos até Caxias.
Nossos jipes têm muitas histórias, alguns são bem antigos, então a chance de dar problema é grande, muita coisa pode acontecer num trajeto longo. Mas o clube é isso, é não deixar um amigo empenhado. Ir atrás, dar um jeito, resolver e poder ver que o colega ficou feliz com com ajuda, né? Como disse, vamos juntos e voltamos todos juntos".
Fumaça contra "mosquistos gigantes" no Chuí
Por Gabriela Worman Hanauer, 47, artesã
"Conheci o Jeep Club pelo meu marido, Vanderlei. Na época, éramos namorados, ele comprou um jipe e conheceu o Márcio Cardoso, que nos convidou para as primeiras reuniões e a primeira trilha. É um pessoal divertido, animador e solidário. O fato de ser mulher nunca impediu nada. As mulheres, esposas e filhas sempre acompanharam. Só que com o passar dos anos, peguei o gosto de dirigir nas trilhas, de acelerar no barro, que dá aquela desopilada no fígado, né? Não parei mais. Hoje, quando saímos para fazer trilha, o combinado entre eu e o Vander é metade para cada um.
Modéstia a parte, o pessoal elogia que dirijo muito bem. Uma viagem inesquecível foi o passeio pro Chuí, passando pela Estrada do Inferno, com barro de meio metro de altura, e acampamos por três dias na beira da lagoa. Até hoje lembro do cheiro da fumaça dentro da barraca por causa dos mosquitos. Os mosquitos eram gigantes! Deu muita história, muito por causa do tamanho dos mosquitos e essa dificuldade de ficar de noite do lado de fora. Na volta, a gente dormiu acho que uns três dias direto, porque o cansaço foi grande, mas a alegria era imensa".