As fotografias acima e abaixo estão separadas por um átimo de 59 anos de história. A primeira, em preto e branco, é de 3 de março de 1963 e não há registro de quem é o fotógrafo. Na imagem, de pé, está João Spadari Adami. Para além dos ofícios de alfaiate e barbeiro, Adami encarou o desafio de colher histórias, seja por depoimento oral, ouvindo o relato de quem quer que fosse, seja lendo obstinadamente aos mais diversos documentos da esfera pública e privada, além de devorar livros que abordavam a trajetória e evolução de Caxias do Sul.
A segunda fotografia, em cores, registro do fotógrafo Marcelo Casagrande nesta semana, foi feita do mesmo ponto de vista, tendo a Rua Sinimbu ao fundo. Nesse prédio não funciona mais a Metalúrgica Abramo Eberle, tampouco o Varejo do Eberle, que figuravam em 1963. Atualmente, as ruas são ocupadas por ônibus, automóveis e motocicletas que correm contra o tempo, conduzindo pessoas cada dia mais apressadas em um frenesi quase impossível de ser paralisado.
Há tantas diferenças entre a Caxias da década de 1960 e a cidade que vem tomando uma nova forma e configuração, em nosso tempo, que ficaríamos dias a discorrer sobre o tema. Mas tomado por um certo clima de nostalgia, por conta do aniversário de Caxias, a ser celebrado na próxima segunda-feira, dia 20, pensei que a partir do heroico e destemido Adami poderíamos pensar juntos em quão profundo é o legado desse homem.
Desprovido de títulos acadêmicos e de um método científico, ele reuniu material consistente e de valor histórico e simbólico. Apesar da falta de instrumentalização — pelo menos na visão sistemática dos outros — ele organizou em sua barbearia o que veio a chamar de Centro Informativo da História Caxiense. A placa foi descerrada no dia do registro fotográfico acima, mas já funcionava desde 1958. Tudo virava pretexto para ouvir histórias e Adami valorizava cada nova informação. Ah, e de quando em vez, até fazia barba e cabelo de alguém.
Manusear seus originais, muito bem guardados no Arquivo Histórico Municipal, que não por acaso empresta seu nome ao espaço, é como voltar ao passado e caminhar pelas ruas da cidade ainda pequena. Em seus livros há anotações suas, além de colagens de recortes de jornais, fotografias, trechos de livros e depoimentos de um sem fim de gente.
Adami não foi jornalista, nem historiador, não pelo menos da maneira formal. No entanto, ele é inspiração para quem sabe o valor e poder de uma escuta atenta, sensível e desprovida de pré-conceitos. Em uma visão pragmática, Caxias parece ter ficado mais sistemática e complexa. Mas ainda é uma cidade pequena, onde em cada canto tem uma nova história a ser desvelada. Há diversos Adamis por aí. Uns reúnem acervos de filmes, até em formato VHS em suas casas, outros abarrotam seus armários de informações sobre os clubes de futebol de Caxias.
O sentido de uma cidade será sempre as pessoas — e suas relações de amor e ódio, ora enraizando-se, ora refutando viver nesse lugar. O resto é armazém de secos e molhados.