Uma vez por semana, os alunos de uma escola infantil no centro de Caxias do Sul recebem a professora não com o “oi, professora” habitual, mas com o dedo mínimo levantado e os restantes fechados em círculo. O que também significa um “oi”, porém na língua de sinais, que aprendem com a professora Karisa Bastiani Maragno. Surda, mas capaz de falar e de fazer leitura labial, a pedagoga de 34 anos, é responsável por ensinar o idioma da Língua Brasileira de Sinais, ou Libras, para os bebês do berçário e crianças de maternal e pré-escola.
A Divertidamente foi a primeira escola infantil no Rio Grande do Sul a ter o ensino de Libras para crianças ouvintes em seu projeto curricular. Desde sua inauguração, em 2015, os personagens de desenhos animados e filmes de animação que decoram as paredes dividem espaço com o alfabeto de sinais e um vocabulário de palavras de uso mais comum. O que elas mais gostam de aprender, no entanto, é o seu sinal pessoal, uma forma de identificação que a pessoa recebe de um surdo como uma espécie de “batismo”, e que normalmente faz referência a uma característica física, traço de comportamento ou até um apelido.
Munida de algumas folhas com figuras impressas, Karisa senta com as pernas cruzadas ou nas pequenas cadeiras que nivelam sua altura com as das crianças. Enquanto fala ou sinaliza, as outras professoras ajudam a reforçar os sinais e a manter a turma concentrada. Se para os bebês o entendimento é vago, ainda que as informações estejam sendo gravadas no seu cérebro em desenvolvimento, as crianças a partir de dois anos se entusiasmam ao imitar os sinais da profe ou identificar a palavra que corresponde.
– É importante ensinar Libras para as crianças ouvintes, porque quando elas crescerem e tiverem contato com algum surdo, vão saber se comunicar. Para os menores a gente ensina mais as figuras, enquanto os maiores já aprendem o alfabeto, para entender que é um idioma – comenta Karisa.
A proprietária da Divertidamente, Andrelise Sperb, é intérprete de libras e há 20 anos atua como professora na Escola Helen Keller, voltada para a comunidade surda, onde teve como aluna a própria Karisa.
– As professoras surdas é que são as falantes da língua no dia a dia, como um professor nativo dos Estados Unidos que ensina inglês, por exemplo. Há ouvintes que são professores de Libras, mas muitas vezes têm outra abordagem, usam a fala junto quando não sabem um sinal... e também tem a questão de respeitar o próprio espaço do surdo para trabalhar – pontua Andrelise.
INTERAÇÃO É O OBJETIVO
Andrelise conta que a ideia de ter incluído o ensino de Libras no programa pedagógico teve a ver com seu trabalho na instituição para surdos, ao entender os benefícios mútuos que a interação entre ouvintes e surdos poderia proporcionar. Ao longo do ano, os jovens alunos da Helen Keller e os da Divertidamente interagem em festas como a de Dia das Crianças, entre outras.
– Além da facilidade maior que as crianças têm para aprender, é uma sementinha que a gente está plantando de aceitação da diferença. A surdez às vezes assusta um pouco porque as pessoas não sabem como se comunicar, têm vergonha de fazer algo errado, não sabem nem dar um “oi” com sinal. Quando se aprende desde pequeno, tudo se torna mais natural. As crianças vão tentando do jeito delas e conforme crescem elas vão se desinibindo.
Entre os alunos que passaram pela escola está o menino Vitor Zanchin Fetter, atualmente com seis anos. Vitor é ouvinte e filho de pais surdos. A mãe, a pedagoga Jaqueline Zanchin, considera ter sido fundamental a alfabetização em Libras desde os primeiros anos de vida.
– Todas as escolas deveriam ter professores que soubessem Libras, porque a acessibilidade deveria estar ao alcance de todos. Hoje o Vitor está numa escola municipal e a comunicação com os professores é mais difícil, pois precisa de intérprete. Mas para a interação dele comigo e com o pai, a alfabetização em Libras desde bebê ajudou muito – conta Jaqueline Zanchin.
NO CLIMA DA "SURDO"
Enquanto a cidade vivia a expectativa pela 24ª Surdolimpíadas, que terá início neste domingo, a criançada da Divertidamente também entrou no clima. Na última terça-feira os alunos aprenderam a expressar em sinais algumas das modalidades da competição, como vôlei, natação, ciclismo e futebol, além de termos comuns do universo esportivo, como medalha e ganhar.
As turmas também receberam, para colorir, uma ilustração do quati Nino, mascote do evento que reunirá em Caxias mais de 4 mil atletas de 79 nacionalidades. Na quarta-feira, foi a vez do próprio Nino fazer uma visita à escola para divertir as crianças.
– Quando fizemos o planejamento para o ano letivo, consideramos tanto a Surdolimpíadas na cidade quanto a Copa do Mundo do Catar, que vai iniciar em novembro, e pensamos em algumas maneiras de trazer essa atmosfera para dentro da escola, como decorar as salas com as bandeiras dos países e incluir alguns alimentos típicos de cada país no lanche – conta a proprietária da escola.