A edição do Pioneiro de sexta-feira, 3 de novembro de 2000, chegou às bancas e aos assinantes acompanhada de um post-it, que alertava: no dia seguinte, o jornal traria encartada o número de estreia da primeira revista de fim de semana da Serra Gaúcha: o Almanaque. A mesma edição trazia, na capa do caderno Sete Dias, a equipe responsável pela novidade, capitaneada por seu idealizador e primeiro editor, o jornalista Nivaldo Pereira.
Quase 22 anos e mil edições depois, Nivaldo, que atualmente assina uma coluna no “Alma”, recorda com carinho daquele período marcado pela experimentação editorial e gráfica e pela vontade de dar um passo além no jornalismo praticado até então pelo principal diário impresso do interior do Estado. Algumas de suas edições preferidas, que mantém guardadas mais de duas décadas depois, são aquelas em que o editor e a equipe se utilizavam de recursos como a fotonovela, os quadrinhos e outras narrativas visuais para contar histórias que podiam se estender por quatro ou cinco páginas. A cada final de semana, o Almanaque tratava de surpreender seus leitores. Quando não era pela forma, era pelo conteúdo:
– A premissa era que a pauta saísse do óbvio, fosse provocativa, eclética e que mexesse com os tabus. Um exemplo foi a matéria da “farra dos casados”, sobre a onda de traições que ocorriam em Caxias no verão, quando as esposas iam para a praia e os maridos ficavam na cidade, lotando os clubes noturnos. Uma esposa chegou a ligar afirmando que era a mão do marido dela, mas é claro que era uma foto produzida – conta Nivaldo, que foi editor do Almanaque até 2005, quando se desligou do jornal para buscar outros desafios na escrita.
A provocação aos costumes mais conservadores também tinha vez na coluna da questionadora Audrey Turner, personagem fictícia nascida pela mente de Nivaldo, que mantinha a autoria em segredo, e pelas mãos do ilustrador Carlos Toigo. Um dos momentos mais altos da “carreira” de Audrey foi quando suas crônicas ácidas chamaram a atenção da escritora e colunista Martha Medeiros, que gostou tanto da personagem que topou ser entrevistada por ela. Em outro momento, Audrey e a gringa Genoveva, criação do cartunista Iotti, também bateram um papo através das páginas de outra edição guardada na coleção de Nivaldo:
– O barato da Audrey era apontar a caretice, a cafonice…tudo aquilo que nos deixava incomodados, ela soltava o bico. E as colunas provocavam o maior frisson, era um barato.
Entre os jornalistas que faziam parte da equipe do Sete Dias e que assinavam as reportagens da primeira fase do Almanaque estão a atual patrona da Feira do Livro de Caxias do Sul, Alessandra Rech, e a colunista de moda da revista Donna, Patrícia Pontalti. O fundador e CEO da editora Belas Letras, Gustavo Guertler, colaborava com pautas especiais, enquanto nomes que até hoje ajudam a fazer o Pioneiro, como o colunista de Memória Rodrigo Lopes, a chefe de reportagem Janaína Silva e o editor e colunista Marcelo Mugnol, também contribuíram para a consolidação da Almanaque.
Como um pai orgulhoso dos caminhos seguidos pelo filho, Nivaldo vê sua criatura chegar à milésima edição com um misto de nostalgia e de satisfação, ao ver que a essência ainda é mantida:
– Neste contexto em que ninguém mais tem tempo pra nada, que reflete diretamente no aprofundamento dos assuntos pelo jornalismo, é muito bacana ver que o escorpiano Almanaque segue sendo um espaço para a reportagem que escapa do efêmero, do pontual, e que, quando aborda um assunto do dia, é para jogar para uma discussão mais ampla. No cenário atual, não tenho dúvidas de que é um espaço de resistência.