Voz, poesia, ritmo e corpo são elementos que se unem não apenas na música, mas em todo o ser que é a ameríndia Brisa de la Cordillera, nome de batismo de MC Brisa Flow. A artista nascida em Minas Gerais, há 34 anos, e radicada em São Paulo, traz a Caxias do Sul, nesta sexta, essa mistura étnica associada à junção de vertentes musicais, tendo como bases o hip hop e a música indígena.
O show na Casa Fluência Hip Hop é parte do Circuito Orelhas, que tem origem em Porto Alegre e leva também ao interior do Estado artistas da nova cena independente brasileira. Além da MC, três atrações locais irão se apresentar: Oderiê, W Negro e Banda Teto.
A seguir, confira um papo do Sete Dias com MC Brisa Flow:
Sete Dias: Qual a diferença entre levar o teu show a um espaço de periferia, como a Casa Fluência, e a um teatro no centro da cidade?
MC Brisa Flow: Gosto de ocupar todos os espaços. Acho importante estar no teatro também, por serem espaços que não foram pensados para nossos corpos dissidentes, mas fico muito feliz também em tocar na quebrada, por serem espaços onde é preciso ter ação efetiva. Onde tem cultura a gente consegue salvar muitas vidas. É importante haver essa troca periferia-centro, e tento fazê-la com meu corpo sempre, porque é uma forma de tentar desconstruir essa cultura violenta em que a gente vive.
Onde tua mensagem se realiza melhor? No palco, no clipe, no álbum?
As pessoas sempre falam que meus shows são muito diferentes um do outro, e acho isso muito legal. Sempre vai ter uma mensagem diferente. Tem o freestyle, a música improvisada na cultura hip hop, que reflete aquele presente, daquele momento, de não deixar a ansiedade paralisar o nosso movimento físico mesmo. A gente fica muito preso a especular o futuro, diante disso tudo que tem passado, e a música é essa ferramenta. Acho que improvisação é o maior sinal de liberdade na música, e é muito importante o hip hop manter viva essa cultura do freestyle. Ao mesmo tempo, o álbum é onde a pessoa pode pegar o trabalho que eu parei para fazer com todo o cuidado, carinho, atenção à mixagem. Vejo como dois trabalhos diferentes, sendo um mais de produção musical, o outro de performance.
Recentemente nós perdemos Elza Soares, uma cantora que tinha como principal marca a força da sua ancestralidade afro. O que a ancestralidade indígena representa para a tua música?
A gente sabe o quanto a Elza lutou pela música, pelo trabalho, pelas mulheres na música e pelo empoderamento das pessoas pretas pela música dela. Eu tento também discutir essa questão da ancestralidade, porque acho que não é sobre passado. Não gosto de pensar o tempo linear. Acho que a gente está vivendo a realidade dos nossos ancestrais a partir do momento em que está vivo diante do genocídio, desta história horrível da construção desse país, dessa ficção em que a gente está. E isso tem muito a ver com o território indígena, que a gente nem pensa que é um território indígena. Há um apagamento. A cultura indígena é muito ampla: são mais de 800 povos só aqui em Abya Yala, como a gente chama a América Latina. Por muito tempo eu achei que o Brasil não era minha casa. A partir do momento em que a gente começa a entender as culturas indígenas como plurais nesse continente tão rico em água e florestas, a gente começa a pensar num bem viver melhor, e em novas formas de vida para esse próprio continente. Além de respeitar as culturas indígenas e entender que esses indígenas já estavam aqui antes do descobrimento, é preciso entender que a grande pauta é o território, é a terra, é o que nos resta de água e floresta. É uma cultura que deveria ser abraçada por todos nós, porque é onde todos nós vivemos.
Também se desconstrói assim uma noção fria de artista e público, palco e plateia:
A música anticolonial não é uma música apenas de apreciação. É uma música que trabalha de diversas formas: no corpo, no espírito. Por isso que se fala de musicoterapia, de música como cura, porque a música tem mesmo esse poder. Ela não é algo humano. Ela está na terra, no canto dos pássaros, é manifestação de vida com som. Acredito que quando a gente tira essa ideia ficcional de que a música só existe quando se aprende a ler uma partitura, ou que só existe uma maneira de tocar um instrumento... não é que isso é errado. Mas é que existem outras formas. E o show é o maior exemplo disso, quando a gente sente a música de fato, entrando na gente.
Podes citar outros expoentes da cultura indígena que as pessoas deveriam conhecer mais?
Denilson Banywa (designer e ilustrador) é um artista que inspira muito os cantores indígenas, por refletir o que é arte, sendo que nós, indígenas, não temos um nome para arte. Também tivemos o lançamento recente da cantora Katú Mirim, que faz um rap mais rock e new metal, dentro daquela onda do início dos anos 2000 que está voltando com tudo. Tem um canal que é muito legal, que é Rádio Yandê, que toca música indígena 24 horas na internet, e o Instagram Visibilidade Indígena, que traz sempre os últimos lançamentos.
Programe-se
O quê: Circuito Orelhas, com Brisa Flow + Oderiê, W Negro e Banda Teto.
Quando: nesta sexta-feira (28), a partir das 19h.
Onde: Fluência Casa Hip Hop (Rua Francisco Barbosa Velho, 132).
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia entrada), pela plataforma Sympla.