As paisagens interioranas da Serra são constantemente requisitadas pelo cinema brasileiro. Quem vai ficar com Mário?, comédia que chega nesta quinta (10) às salas de todo o Brasil, também tira sua casquinha da fotografia local com cenas gravadas em Nova Petrópolis. O pórtico de entrada, a fachada do Parque Aldeia Imigrante, além das ruas limpas e floridas da cidade podem ser vistos no filme, que também elegeu uma cervejaria – algo muito tradicional nessa região de colonização alemã – como importante palco para o desenrolar da história. Outro aspecto que acaba surgindo na trama como uma característica ainda muito ligada às cidades interioranas (não só daqui, mas de qualquer lugar) é a presença da intolerância e da misoginia. E é nesse aspecto que Quem vai ficar com Mário? foca suas atenções com mais força.
Apesar do título pegar carona na comédia de sucesso estrelada por Cameron Diaz, Quem vai ficar com Mário? é, na verdade, uma adaptação da comédia italiana O primeiro que disse (2010). A história mostra o retorno de Mário Brüderlich (vivido pelo global Daniel Rocha) à terra natal, na Serra gaúcha. Vivendo no Rio, o personagem decide que é hora de contar para a família gaúcha que é gay e mantém um casamento de quatro anos com o diretor de teatro Fernando (Felipe Abib). Outro segredo escondido até então é de que ele abandou a faculdade de Administração pelo sonho de tornar-se escritor. Para completar o cenário, o protagonista ainda se vê diante de uma crise de identidade quando se interessa por uma profissional recém-chegada à cervejaria da empresa, a empoderada Ana (Letícia Lima).
Os atores gaúchos Zé Victor Castiel e Marcos Breda são os responsáveis pelo núcleo machista e preconceituoso do longa, o primeiro na pele do pai de Mário e o segundo dando vida ao cunhado, que faz um tipo gauchão grosso. Ambos possuem algumas passagens um pouco caricatas, assim como o próprio núcleo gay – representado principalmente pelos amigos artistas de Mário. Nany People, uma das artistas trans mais reconhecidas e respeitadas do Brasil, foi uma das “exigências” do diretor Hsu Chien para compor o elenco no papel da diva da trupe teatral Terceira Força. Na coletiva de imprensa sobre o filme, realizada ontem de forma online, ela contou que se sentiu incomodada com algumas piadas que estavam presentes ainda na primeira versão do roteiro.
– No Terceira Força, tinha algumas piadas internas, no jeito de falar, que eram meio grotescas. Fui pontuando o texto com as coisas que eu não gostava. Quando eu li de novo, gostei tanto que falei: “vou fazer” – disse ela, que tem uma presença contagiante no filme, um dos principais acertos do elenco.
O diretor Hsu Chien, integrante da comunidade LGBT+, destacou o poder de Quem vai ficar com Mário? em justamente mostrar a transformação redentora de personagens homofóbicos.
– É isso que a gente quer trazer para o nosso país de hoje, que está tão polarizado: podemos mudar sim, basta a gente aceitar o amor dos outros, abrir o coração e respeitar as escolhas do próximo – defendeu.
Mesmo com alguns momentos pendendo um pouco para o estereótipo, o longa ganha crédito ao trazer para o cenário da comédia brasileira – onde residem as maiores bilheterias nacionais – uma discussão bastante importante, e até didática, sobre a liberdade do amor. Nesse sentido, o roteiro também entra numa importante e atual discussão relacionada à bissexualidade a ao poliamor. Levantando a bandeira pelo respeito e pela dignidade, a produção chega às telonas amparada ainda por uma das principais porta-vozes do movimento LGBT+: a cantora Pabllo Vittar, que dá voz à música tema de Quem vai ficar com Mário?.
– Quero que entendam que a questão da diversidade de gênero atende a todas as pessoas que estão aí, é isso que eu espero que o filme traga como mensagem, que “tenham coragem de ser feliz” – defendeu o diretor, repetindo o refrão da trilha do filme.