Se você achou que iria desopilar a mente investindo fichas num reality show "despretensioso" na tevê, errou. Já há algum tempo o Big Brother Brasil vem provando ser bem mais do que apenas um programa de entretenimento. Isso ficou ainda mais visível durante a edição de 2020, quando a bolha televisionada abrigou questões importantes — principalmente sobre machismo e racismo — que ganharam grande repercussão aqui fora. Em 2021, em plena pandemia, as análises sociais que surgem a partir de situações ocorridas dentro do programa têm ganhado ainda mais velocidade e pluralidade. Completando nesta segunda-feira (15) três semanas no ar, a 21ª edição do reality tem povoado conversas nas mais diferentes esferas sociais e, além de muita discussão e cancelamento, tem também instigado o aprendizado.
O psiquiatra Caetano Fenner Oliveira é do time dos que considera o programa uma manifestação cultural aberta a múltiplas interpretações.
— Como um fenômeno social de aprendizado das novas relações humanas em época de pandemia e de reconhecimento das múltiplas minorias que compõem a sociedade pós-moderna é um evento muito instigante de examinar. O termômetro das relações humanas que o programa permite é único! Mesmo para os seus maiores críticos e céticos, existe um tipo de vouyeurismo pedagógico — reflete ele.
A seguir, elencamos pelo menos cinco (na verdade, devem ter sido bem mais) constatações/aprendizados que o programa proporcionou até aqui.
A opinião pública nunca foi tão empoderada
Foi-se o tempo em que o tão comentado cancelamento de alguma personalidade nas redes era uma atitude momentânea por parte do público, geralmente esquecida meses depois. Hoje em dia, o cancelamento pode representar milhões em prejuízo, perdas de contratos e, o pior, um descrédito irreversível na imagem do cancelado. A opinião popular — principalmente a representada nas redes, é preciso assinalar — parece nunca ter tido tanta influência nas decisões das grandes marcas que fazem a roda econômica do mundo do entretenimento girar.
Pegando o exemplo da cantora Karol Conká, que está tendo muita reprovação pelos espectadores do BBB, fica visível, pelo menos até agora, uma dificuldade enorme de retomar a imagem que ela tinha perante ao público antes do programa. Muito também por um sentimento negativo de "fui enganado" que acomete os fãs de forma contundente.
No entanto, é preciso também levantar aqui uma constatação. Apesar de representar certo empoderamento do público, a cultura do cancelamento também é perigosa.
— O cancelamento virtual lembra o caráter imperdoável das comunidades pré-históricas, proto-verbais, com hierarquia de valores mais grosseiros, diria melhor, mais "tribais". E é justamente esta expressão de tribal que os antropólogos têm utilizado para descrever os grupos humanos fechados em torno de algumas bolhas ideológicas, compartilhando excessivamente seus pontos de vista e não tolerando nada que seja divergente ao seu modo de pensamento. O diferente vai ser sumariamente cancelado — pondera o psiquiatra Caetano Fenner.
Errar e aprender com o erro não precisa ser algo traumático
Um dos primeiros constrangimentos ocorridos no programa envolveu a atitude de um grupo de brothers, liderado por Caio, em se maquiar como mulheres. Lumena explicou que a ação bateu nela de uma forma ofensiva, pois brincava com a imagem de mulheres trans e travestis que correm risco de vida constantemente apenas por serem quem são. Após um princípio de discussão, Caio optou por ouvir o ponto de vista da sister e entendeu o que ela queria dizer. Apesar de o público também ter entendido que não havia uma intenção negativa na ação, o esclarecimento vindo de Lumena foi um aprendizado para Caio, para os demais homens que haviam participado da brincadeira e para todos os espectadores que se abriram para a fala emocionada da sister. Uma prova de que, por mais que alguns assuntos sejam densos e complexos, quando há alguém com conhecimento de causa e alguém disposto a ouvir, o resultado é aprendizado. Se o aprendizado é coletivo, então, melhor ainda.
Isolar alguém é um comportamento inaceitável
Uma das situações mais marcantes ocorridas até agora no programa envolveu o nome do ator Lucas Penteado. Depois de ser repreendido por defender que os participantes negros da casa deveriam se unir contra os brancos, o brother assumiu que estava errado e se desculpou com os colegas. Mas as desculpas não foram aceitas por todos e o tratamento com Lucas na casa passou a ser muito hostil. Participantes como Karol Conká passaram a isolar o brother das atividades em grupo _ como refeições _ e a ridicularizá-lo pelas costas. O público, imediatamente, se solidarizou com a causa de Lucas.
— Quando você menciona a dificuldade das pessoas da casa em terem mais empatia com o Lucas eu fiquei pensando em muitas conversas de psicólogos e psiquiatras que se admiram da quantidade de patologia comportamental dentro do programa, ou seja, deve haver um filtro positivo para transtornos de personalidade entre os participantes. Claro que se fosse um programa com um monte de obsessivos compulsivos não teria audiência nenhuma, o que dá ibope mesmo são os histéricos e os borderline, ambos com limitações de humanismo e consideração com os demais membros de qualquer grupo — avalia Caetano.
A palestra vazia é perigosa
A pressão pelo posicionamento é algo bem presente no mundo contemporâneo. Se fora da casa o BBB tem gerado muita opinião proferida tanto por personalidades famosas quanto por gente comum, dentro da casa a necessidade de "fazer textão" tem demonstrado fragilidades de alguns participantes. Foi o que aconteceu com Fiuk, que passou a repetir que era "um homem branco privilegiado" em conversas das mais variadas. Ao público, pareceu um discurso vazio e sem verdade.
O mesmo aconteceu com algumas falas de Lumena. Apesar de nos primeiros dias do programa ela ter se mostrado como uma das participantes mais sensatas com a agenda do politicamente correto, logo ela passou a metralhar os participantes com discursos que pareciam responder a uma lógica criada para defender seu grupo de amigos dentro da casa. Ao excluir Lucas junto com Karol, por exemplo, Lumena perdeu um pouco da credibilidade sobre pautas que defende. A participante virou até mesmo meme fora da casa ("Lumena não autorizou") por conta de sua personalidade de dona da verdade.
Quando o discurso não condiz com as atitudes, o perigo é a desletimização desenfreada, ou seja, as pessoas podem encher tanto o saco de "gente palestrinha" que correm até mesmo o risco de serem injustas com quem tem algo importante a dizer.
Fofocas desenfreadas podem ser sinal de desequilíbrio
Não há sequer um espectador assíduo de BBB que não esteja abismado com as atitudes negativas da participante Karol Conká. O mesmo não acontece dentro da casa, já que a capacidade de dissimulação da moça tem mascarado muitas de suas ações. Uma das questões despertadas em quem assiste ao programa é "será que eu convivo com alguém assim e não sei?". Para o psiquiatra Caetano Fenner, o desvio de caráter de Karol se aproxima da psicopatia e, se você identificar características assim em alguém do seu convívio, o melhor mesmo é se afastar. Caetano aponta ainda que as mulheres psicopatas possuem uma maneira diferente de agir dos homens psicopatas.
— Elas são muito menos pegas pelos seus delitos porque cometem seus ataques mais próximos da perfeição: com persuasão, dissimulação, impunidade, dramatização... Seus objetos de hostilização não podem se defender pois em geral nem imaginam de suas artimanhas e joguetes. O homem psicopata é mais homicida, destrutivo, a mulher psicopata é mais sutil, venenosa, de uma agressividade verbal bem articulada — descreve.