Se estar entre as panelas já era uma terapia para muitos antes da pandemia, não é difícil imaginar que hoje a prática é quase uma salvação. Seja porque você quer manter a mente ocupada, ou porque você deixou de almoçar fora e precisa comer, fazer a própria comida tem suas vantagens. Claro que há aqueles que tiveram de ir para o fogão por obrigação e nós sabemos: nem todo mundo gosta da ideia. Mas, para os que gostam, a cozinha virou uma espécie de oásis em meio à rotina pesada do isolamento social. Um lugar que valoriza o estar em casa — introspectivo ou com a família —, promovendo uma alimentação mais natural e a descoberta de ferramentas e possibilidades até então inéditas.
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Parte dessa descoberta está em perceber que sim, você tem a capacidade de fazer pão. Foi o caso do advogado Patrick Mezzomo, 34 anos, que, como muitos de nós, acreditava que o preparo estava entre as habilidades difíceis de alcançar para os chefs amadores. Antes da quarentena, Patrick costumava fazer grande parte das refeições em restaurantes. Estando em casa, decidiu testar a receita de focaccia de um amigo, o chef Gabriel Lourenço (veja receita aqui). Simples de fazer e com poucos ingredientes, o prato é um pão de origem italiana, achatado e macio, que pode ser consumido como antepasto. O passo a passo e resultado de Patrick foram para os stories no Instagram, provocando uma verdadeira corrente gastronômica: ao menos 15 amigos copiaram a receita e compartilharam nos seus perfis.
— A galera foi fazendo e adaptando com o que tinham: azeitona, tomate, manjericão, copa... Já disseram muito "me passa a receita da focaccia!". Agora tenho uma lista de jantas marcadas para fazer com os amigos depois da quarentena — diverte-se ele.
Para além do sucesso online, Patrick passou a ver a hora das refeições como um ritual que envolve preparar a comida, acompanhar o cozimento, arrumar a mesa, degustar o momento... E, claro, lavar tudo depois, relembra ele com bom humor. Dar atenção aos detalhes foi o que transformou a noção de cozinha como necessidade em aumento do bem-estar e vontade de aprender:
— Cozinhar desestressa se é divertido e tem que ser! Se der errado, tudo bem, não pode ser uma cobrança. Come a parte que dá e bola pra frente. Tu ocupa tempo, com entretenimento, conhece utensílios que nem usava, vai aprendendo sobre os tipos de farinha e de forno... A prática leva à perfeição. Ainda estou na fase da prática — completa, entre risos.
A prática de Patrick tem rendido resultados de dar água na boca, como pizza, massas e até sobremesas. No Instagram dele (@patrickmezzomo), os bolos de churros, de Prestígio e de Alpino são de encher os olhos.
Tradição que reúne a família
Há cerca de dois anos, a pneumologista pediátrica Denise Somenzi, 50 anos, criou com o marido e a filha o que eles batizaram de jantas temáticas. A ideia era se reunir — entre os três mesmo — e produzir uma noite especial em torno de um tema divertido. Eles vão em busca do cenário, das roupas e da comida típica. Já fizeram a noite italiana, árabe, portuguesa, dos anos 1960, voltada ao seriado Game of Thrones, um luau... Com a pandemia e o aumento das atividades em casa, as jantas especiais têm ocorrido com menos frequência, mas nem por isso Denise parou de cozinhar com a família.
— Momentos com toda a família são tão raros... Às vezes estão todos dentro de casa, mas cada um na sua rede. A cozinha é um tempo para ti, longe das redes. Isso reúne a família, o que pra mim é o mais importante. Sem contar que é alimentação saudável e menos industrializada. Nada como um molho de tomate feito em casa — comenta a médica.
Ela explica que o amor pela gastronomia vem desde a infância em Bento Gonçalves, quando a avó deixava ela e os primos usarem a cozinha para descobrir preparos deliciosos: capeletti, grostoli, lasanha de moranga... Ao iniciar a faculdade, Denise passou a cozinhar por necessidade, uma vez que morava sozinha. Com o passar dos anos, foi adquirindo livros de culinária, que, em meio ao trabalho e à correria, rendiam inspiração mas pouca prática. As jantas temáticas é que estimularam a família a estudar mais sobre as receitas, levando à produção e à participação dos "eventos". Denise também vê o momento como uma oportunidade de ensinar a filha Carolina, 11 anos, a cozinhar:
— É uma tradição entre nós três. Na quarentena, vasculhamos os livros, seguimos a receita, mas vamos inovando com o que tem no armário — explica.
A pneumologista agora compartilha as experiências nas redes sociais e nota que a atitude tem inspirado amigas:
— É o pensamento de "se ela consegue fazer, eu também consigo". Muitos podem achar "como eu encontro tempo pra isso?". É questão de prioridade — acredita.
Entre os preparos mais curtidos e comentados, trufas de chocolate com café e frutas vermelhas, salada de figos, presunto de Parma, mozarela de búfala e folhas verdes, gnocchi com molho à putanesca e terrine de queijo com mel e amêndoas tostadas, tradicional acompanhamento francês que virou queridinho da família. Que tal aprender a fazer a terrine? A receita está neste link.
As receitas que viralizaram na web
No último mês, "como abrir um vinho" estava entre as buscas mais feitas pelos brasileiros, segundo o Google Trends. As pesquisas sobre a bebida na plataforma cresceram 22% na pandemia. Já no YouTube, os vídeos com receitas dobraram o número de visualizações. Esse movimento também esbarra no comércio online: na semana entre 9 e 15 de maio, a procura por utensílios domésticos no Google aumentou 72,8% em comparação com as primeiras semanas do ano. Mixers e batedeiras subiram 144%, enquanto que máquinas de pão chegaram a 140%.
Os eletrodomésticos revelam as preferências dos brasileiros que decidiram se aventurar na cozinha: conforme a agência Apura Conteúdo, as receitas mais buscadas são as de bolo, seguidas pelas de pão, frango, torta, pudim e panqueca.
Em meio a tantos preparos novos, nem sempre tudo dá certo. Aliás, segundo os chefs, é justamente isso que traz noções de paciência e aperfeiçoamento, além de tornar o processo divertido. Quer conferir um pouco dessas experiências quase desastrosas? A página no Instagram @chefsnaquerentena reuniu algumas que bombaram nas redes. Mas a gente alerta: não tente fazer isso em casa.