Desde que surgiu, em 1999, já abocanhando cinco estatuetas do Oscar e outras principais premiações com Beleza Americana, o cineasta britânico Sam Mendes apresenta traços de um cinema diferenciado, frugal em conceito, mas virtuoso em técnica e narrativa. Nos seis filmes que se seguiram, tais características foram aplicadas em orçamentos mais pomposos e produções robustas. Após dobradinha com a série 007 (dirigiu o ótimo Operação Skyfall e o precário Contra Spectre), Mendes passou a adquirir senso de grandiosidade mais aguçado. Como fruto da experiência surge 1917, lançado nos cinemas americanos no final do ano passado e que chega às salas brasileiras oficialmente hoje – aqui na Serra está em cartaz no GNC e no Cinépolis. Vinte anos após o seu maior sucesso de crítica, Mendes apresenta novamente um dos francos favoritos a Melhor Filme no Oscar, premiação na qual concorre em 10 categorias.
A premissa de 1917 pode ser resumida em uma frase: na Primeira Guerra Mundial, dois jovens soldados britânicos são incumbidos de atravessar o território inimigo para entregar uma mensagem que pode salvar 1,6 mil soldados aliados. Nada chamativa inicialmente, certamente não é a história o diferencial do filme, que compensa sua narrativa simplória no primor técnico sob a direção de fotografia de Roger Deakins, vencedor do Oscar da categoria no ano passado por Blade Runner 2049, que desta vez assumiu uma responsabilidade arriscada: executar um filme de guerra por meio de longos planos-sequência (quando não há cortes).
A ferramenta não é novidade no cinema, tendo sido aplicada de maneira notória já lá em 1948 no clássico de Alfred Hitchcock, Festim Diabólico. No entanto, é uma empreitada inesperada no gênero, em razão da complexidade de execução pela ação em larga escala. Sam Mendes afirmou que a intenção era justamente tornar a experiência imersiva ao espectador. E o resultado é certeiro nesse sentido. Por duas horas acompanhamos, de perto e (quase) sem piscar, como um próprio cinegrafista de guerra, a intensa jornada do protagonista Blake, interpretado por Dean-Charles Chapman, em atuação econômica, mas eficiente.
Não irretocável, entretanto, 1917 começa a perder fôlego na sua segunda metade. Após sequência noturna em ruínas iluminadas pelas chamas, momento de resplendor estético de Deakins no filme (que deve ser reconhecido novamente no Oscar), a narrativa se esgota gradativamente, mas, felizmente, termina no momento certo. A precisão, inclusive, talvez seja o grande trunfo da obra. Tudo funciona conforme a proposta e dura o tempo certo para não se tornar maçante.
O que resta, em perspectiva, é um filme de sobrevivência eficiente. Para efeito comparativo, trata-se de quase fusão entre O Regresso (dirigido por Alejandro González Iñárritu), de 2015, e Dunkirk (de Christopher Nolan), de 2017. Aliás, junto com Dunkirk, 1917 compõe uma leva recente de filmes de guerra com abordagem imersiva, complementada pelo ótimo documentário Eles não envelhecerão, de 2018, dirigido por Peter Jackson (O Senhor dos Anéis).
Como saldo, em tempos de blockbusters barulhentos, 1917 é um respiro ofegante positivo, singelo em conteúdo, mas admirável em forma e digno de ser visto no telão. Pronto, inclusive, para reconquistar até mesmo quem pensa estar cansado de filmes de guerra, aparentemente esgotados no início dos anos 2000.