Foi em meio à destruição que Guilherme de Lima, 26 anos, e Elias Jackson Cabral, 28, viram o sentimento que nutriam um pelo outro ganhar mais força, se consolidar. A decisão pelo casamento foi tomada depois que o casal teve a residência onde morava, no bairro Reolon, ser inteiramente consumida pelo fogo. O fato aconteceu no fim da tarde do dia 16 de dezembro de 2018. Naquele momento de tentar se recompor, literalmente juntando o que havia sobrado, os dois conseguiram enxergar mais à frente, e visualizaram um futuro lado a lado.
– Esse fato (o incêndio) fez a gente ficar ainda mais próximo. Naquele momento, não sabíamos o que fazer, olhamos para o lado e só vimos um ao outro. Isso fortaleceu nosso amor e nos fez ter a plena certeza de que a gente queria estar do lado um do outro a vida inteira. Pensamos assim: se a gente passou por isso, a gente vai passar por tudo – revelou Elias, entre lágrimas.
Juntos há três anos e já recuperados do acidente que estremeceu suas vidas no ano passado, Guilherme e Elias estiveram entre os 110 casais que trocaram alianças no Casamento Comunitário 2019, realizado no dia 7 de dezembro, em Caxias. O casal integra uma estatística interessante, fornecida por levantamento recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): mesmo que os casamentos estejam em queda pelo quarto ano consecutivo, o número de uniões celebradas no Brasil ainda é três vezes maior do que o de divórcios. Ou seja, o ato de oficializar os laços ainda é mais comum do que o de desfazê-los.
Outro dado animador do levantamento, que leva em conta o ano de 2018, aponta para um aumento de 61,7 % no número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No ano passado, 9.520 casamentos civis entre dois homens ou duas mulheres foram realizados; em 2017, o número foi de 5.887. No caso de Elias e Guilherme, o momento especial do casamento também foi usado para militar por visibilidade e liberdade. Na história dos casamentos comunitários, Guilherme foi o primeiro noivo a comparecer vestido de noiva, o que atraiu muitas atenções durante a celebração, realizada na Vila Olímpica da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O vestido foi emprestado pela própria Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social – uma das promotoras do Casamento Comunitário que oferece trajes especiais aos noivos que não possuem condições de comprar ou alugar as roupas para a data – e depois reformado a muitas mãos. Elias, que trabalha como cabeleireiro autônomo, a todo momento mexia no cabelo de Guilherme, arrumando o penteado planejado por eles para aquela tarde tão especial.
– Eu reformei o vestido para ficar do meu tamanho. Tive ajuda da minha irmã, da minha cunhada, e dele (Elias) também. Tô me sentindo muito ansioso, não parei de tremer desde a hora que cheguei – disse Guilherme, que exibia uma capa branca combinando com o vestido, cabelo preso, e uma maquiagem de tons leves no rosto.
Os noivos, inevitavelmente, chamaram atenção de todos durante a cerimônia coletiva. Apesar da timidez aparente da dupla, especialmente de Guilherme, havia neles uma consciência implícita sobre a importância do ato de casar-se, a de que ele era importante não somente no âmbito pessoal.
– Eu creio que esse casamento, dele (Guilherme) vestido como noiva, vai abrir muitas outras portas para pessoas que têm medo ou estão escondidas pensando que os outros não vão entender. A gente é igual a todo mundo e está conquistando cada vez mais o nosso espaço. Esse casamento é mais uma conquista – sentenciou Elias.
Casar não sai de moda
Mesmo com todas as mudanças de comportamento que a contemporaneidade prevê, casar parece ser um ato que nunca sai de moda. A relações-públicas Andréia Pilão, 42 anos, trabalha há quase 10 anos no ramo e organiza a média de dois casamentos por mês na região de Bento Gonçalves, uma das mais procuradas atualmente, principalmente por conta do Vale dos Vinhedos. Convivendo com noivos e noivas diariamente, a profissional arrisca um palpite sobre a importância dos casamentos no momento atual:
– Hoje em dia as pessoas estão cada vez mais afastadas, tem muita gente que vai morar longe e o casamento acaba sendo um momento especial de reunião das famílias e amigos, uma oportunidade única para estarem todos juntos.
Uma das tendências que se alinha a isso é a do destination wedding, quando o casamento vira uma experiência, com os convidados viajando para outra cidade em um final de semana inteiro dedicado a celebrar a felicidade dos noivos. Andréia acompanha muitos casamentos assim, já que cerca de 80% dos clientes que contratam seu trabalho vêm de outras regiões do país.
A queda no número de casamentos no Brasil pode ter a ver com o momento econômico atual (já que as celebrações costumam exigir um grande planejamento de orçamento) e talvez justamente por isso as celebrações realizadas têm se tornado cada vez mais especiais.
Apesar de menores do que costumavam ser em décadas atrás – atualmente, seguem uma média de 80 convidados –, as festas têm se tornado também mais exclusivas, criativas e íntimas.
– Os noivos querem que seja a cara deles, tudo muito personalizado – conta Andréia.
Outra tendência já vigente há algum tempo são os casamentos ao ar livre. As vinícolas de Bento Gonçalves têm sido uma ótima pedida nesse sentido.
– As festas em clubes estão cada vez mais raras. As vinícolas são lugares muito bem preparados, o que exige menos decoração e diminui os custos – opina a relações-públicas.
Um costume que também tem mudado é o tradicional casamento na igreja. Andréia conta que, atualmente, os noivos têm preferido oficializar a união no civil e depois realizar uma grande festa para celebrar. Muitos optam por bênçãos ecumênicas na cerimônia, já outros chamam até mesmo amigos para comandar o protocolo, deixando tudo menos formal.
– No casamento da Juju Massena (comunicadora da Rádio Atlântida), que fiz recentemente, os noivos escolheram o amigo Luciano Potter para conduzir a cerimônia – exemplifica.
A participação tanto do noivo quanto da noiva nas decisões que envolvem o grande dia é outra mudança que Andréia tem visto com relação a outros tempos:
– Antigamente, o sonho partia muito mais da mulher, hoje, os dois são ativos em todas as escolhas.
Apesar de ter conduzido inúmeras cerimônias nos últimos anos, quando teve que escolher para si, Andréia optou por uma celebração intimista, em casa, só com a presença da família. Entretanto, a profissional tem visto tanta coisa legal nos últimos casamentos que confessou que está considerando a possibilidade de organizar uma nova festa.
– De repente numa renovação de votos né? – diz.
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