“Você não tem medo de escrever?”. A pergunta surgiu de mansinho, na voz doce e fininha da menina de cerca de nove anos de idade, mas atingiu com a força de um direto desferido contra o queixo do escritor (no caso, eu), até então confortavelmente sentado à sua mesa de autógrafos, distribuindo sorrisos e recebendo tapinhas nas costas pela nova obra literária. Minha guarda estava baixa e quase fui a nocaute. Jamais, em todas as entrevistas que havia concedido à imprensa, em todas as palestras a que comparecera, jamais, em momento algum, a desconcertante pergunta me havia sido feita. Pego de surpresa e atônito, enquanto garranchava a dedicatória no exemplar da mãe de Madalena (o nome da pequena inquisidora, soube depois), respondi um “não” titubeante, envelopado em um nada convincente sorriso amarelo, encenando um ar que deveria conter um misto de surpresa (que havia) com certeza (que não havia). Mas eu mentia.
Se não mentia, pelo menos, havia deixado escapar a chance de falar a verdade para a menina de enormes olhos indagantes, uma vez que a pergunta fora sincera, e perguntas sinceras exigem a rima das respostas sinceras, sob o risco de ficarem órfãs. E a verdade era que jamais pensara a respeito. Aquilo não podia ficar assim e descobri em seguida que Madalena pensava o mesmo, pois a inocência infantil não inibia seu pleno exercício da sensibilidade e da intuição, esses aplicativos humanos que parecem já vir baixados nas almas de algumas pessoas desde o berço. Assim que a fila dos autógrafos se dissipou e o autor (ainda eu) foi socializar entre os presentes, Madalena se aproximou de novo, agora trazendo pela mão a irmã um pouco mais velha, Maria Kaliandra. Ao ver-me, regolpeou a boxeadora pergunta: “Mas você não tem MESMO medo de escrever? Sim, porque eu tenho medo. Tenho MUITO medo de escrever”, e ela confessava esse seu inusitado (para mim) terror exalando verdade pelos poros.
A irmã corroborou a frase da pequena Madalena: “É verdade, ela tem mesmo muito medo de escrever. Ela sabe, mas treme de medo”. Tentei apaziguá-la, dizendo que esse medo certamente seria dominado e domesticado com o passar do tempo, se ela fosse escrevendo coisas de que gostasse, e aos pouquinhos. Aparentemente, consegui oferecer algum alívio com o evocar de meu psicologuês de araque e Madalena se afastou, pensativa. Afinal, escrever é coisa séria. Madalena tem razão: é muito bom, para a escrita e para quem escreve, que haja alguma dose de medo. Assim, talvez, evite-se escrever tanta bobagem. Herdei dela um pouco desse medo. Talvez faça bem...