A solidão transportada pela madrugada se estende mais rápido nos bairros em que os paralelepípedos revestem as ruas. Neles, em seus perfis periféricos e arrabaldinos, o asfalto central inexistente desconvida ao cruzar célere dos automóveis tardios, permitindo que gatos pardos (como todos o são a essas horas adultas) agora exibam destemidos e garbosos as suas felinices pelo centro das vias, transformadas em passarelas das quais se apossam para desfilar suas empáfias, secretas e noturnas. A tênue luz amarelada jorrada pelos postes de iluminação pública produz bolsões ovalados de uma claridade opaca sobre fragmentos da rua, originando um tabuleiro de xadrez intercalado entre claro e escuro a cada vintena de metros ou dezena de apressadas passadas do transeunte ímpar que cruza o nada, vindo de nenhures, mãos nos bolsos, rumando a lonjuras enquanto machuca o silêncio com o fincar cadenciado da sola do sapato na pedra fria forte sólida da rua, ecoando poesia concreta sem a intenção de ser.
Opinião
Marcos Kirst: O que não vem na conta
Um novo gato que passa, talvez o mesmo, talvez outro, mas não há como saber
Marcos Kirst
Enviar email