Em 2018, os 125 anos do nascimento. Em 2019, o centenário de morte. Duas datas que jogam luzes sobre a breve e cultuada trajetória da poetisa gaúcha Vivita Cartier (1893-1919). A um ano do lançamento do livro O Ocaso da Colombina - A Breve e Poética Vida de Vivita Cartier , o autor e colunista do Pioneiro Marcos Fernando Kirst promoveu na última segunda (9), durante o encontro Órbita Literária, um aperitivo do que virá por aí.
Bastidores da apuração, relatos de conversas com parentes, as andanças pelo cemitério de Criúva, as descobertas surreais, as madrugadas insones, um delicioso recorte do trabalho detetivesco do autor perante sua biografada nortearam a informalidade do bate-papo. Se aos participantes, Kirst ofertou alguns breves spoilers, aos leitores do Almanaque o autor gentilmente disponibilizou três gemas preciosas desse conteúdo.
A primeira delas, uma foto inédita de Vivita em publicações, foi ofertada ao escritor pela professora e pesquisadora Cleodes Pizza Julio Ribeiro. Reproduzida em primeira mão acima e mais abaixo (no formato original), a imagem, provavelmente de 1912, traz Vivita aos 19 anos — junto ao irmão mais novo, Ruy Cartier, nascido em 1906.
Na sequência, um trecho do primeiro capítulo, com o entretítulo oficial da seção de que foi extraído: No lenço, a sentença escarlate. Por fim, o belíssimo poema Adesso e Sempre, escrito por Vivita em Criúva em março de 1915 e traduzido do italiano com exclusividade pelo escritor José Clemente Pozenato para a obra — a convite de Kirst, Pozenato responde pela tradução dos oito poemas em italiano que integram o livro.
Trecho inédito
No lenço, a sentença escarlate
“É sangue!”, exclamou, assustada, ao observar o alvo lenço maculado com as manchas rubras do fluido viscoso que expectorara após mais uma dolorosa crise de violentas tosses que lhe sacudiam os pulmões a ponto de quase rebentar de dor. Vivita sabia o que aquilo significava. Testemunhara o padecimento de vários amigos e conhecidos, lera romances nos quais os personagens sofriam do mesmo problema, sabia do destino real vivenciado por dezenas de poetas e artistas contemporâneos seus e de tempos passados em função do mesmo mal. O resfriado de semanas atrás dera lugar a uma violenta pneumonia e agora aquela primeira hemoptise, das incontáveis que se seguiriam dali em diante, até o fim de sua vida, sentenciava a real dimensão do seu quadro: estava tuberculosa. Era tísica. Assim como tantos poetas, escritores, carnavalescos, artistas e intelectuais, ela também padeceria da moléstia afamada, o “mal do século”, a “doença dos artistas”, a “maldição dos boêmios”. Estava tuberculosa. Então, era tísica. Tinha 19 anos de idade, desfilara três vezes nos últimos quatro anos em carros-alegóricos abertos, ao ar livre, sob o sereno, o frio e o orvalho da noite, em fantasias belas, porém, pouco térmicas, defendendo as cores carnavalescas da Sociedade Os Venezianos, e agora estava tísica.
O poema "Adesso e Sempre" (1915)
Para ler o poema original de Vivita Cartier e a tradução de José Clemente Pozenato, clique AQUI.
A poetisa
Vivita Cartier nasceu em Porto Alegre e morreu no distrito caxiense de Criúva, local escolhido devido ao clima propício para o tratamento da tuberculose — que, ao fim, tirou-lhe a vida.
A despeito de ter publicado em vida poucos poemas na imprensa serrana e na Capital, o vigor de sua obra e o mito que floresceu em torno de seu nome colaboraram para manter viva a memória com o passar das décadas — a ponto de a poetisa ser patrona de cadeiras em duas academias literárias no Rio Grande do Sul e de nominar o prêmio literário anual mais importante de Caxias do Sul.
O livro tem lançamento previsto para março de 2019, data que evoca os 100 anos de morte da poetisa, sepultada em Criúva. Na placa junto ao túmulo encontra-se também um trecho do poema In Pulvis, escrito por Vivita como uma espécie de homenagem póstuma a si própria:
“Segue... que importa a habitação funérea? Minh'alma paira além com seus fulgores, Volve-te a ela, a ela manda flores”.
Curiosidade
O autor Marcos Fernando Kirst é membro da Academia Caxiense de Letras, onde ocupa a cadeira número 11, cuja patrona é... Vivita Cartier.