Na linha de frente pelo empoderamento da confeitaria brasileira, o paulistano Lucas Corazza esteve na Serra gaúcha na última semana como professor convidado da escola de chocolataria Castelli, em Canela, onde conviveu por três dias com cerca de 25 estudantes da arte do doce. Um dos confeiteiros mais renomados do país, Lucas viaja pelo mundo conhecendo os melhores chefs e tecnologias, que traz ao país para aplicar ao cacau nacional, matéria-prima para suas receitas. O jurado do reality show Que Seja Doce, do canal GNT, pensa ser fundamental aquilo que chama de politização do confeiteiro, que é a derrubada do mito de que o único chocolate bom é o europeu, principalmente o belga.
– Tenho como filosofia usar apenas o cacau de origem brasileira, em especial das regiões Norte e Nordeste, explorando nossos ótimos sabores a partir de técnicas francesas, japonesas ou norte-americanas, todas as mais atuais. Ao longo de 20 anos de confeitaria, percebi que era preciso uma politização no sentido de desfazer o estigma de que apenas o chocolate belga é bom. O sabor que o Brasil consegue extrair de suas sementes é excelente, temos boas marcas e uma ótima produção caseira, uma cadeia de comércio que é sustentável, e precisamos falar sobre isso – defende Lucas.
Da mesma forma que considera a chocolataria um solo fértil a ser desbravado por empreendedores brasileiros – pelo próprio curso da Castelli passam profissionais que largaram carreiras consistentes para investir em confeitaria gourmet –, o chef acredita caber aos agentes do ramo gastronômico atuar também na educação do consumidor no sentido de ensinar a comer com mais qualidade e menos quantidade. Nas redes sociais, onde mais de 100 mil seguidores acompanham suas receitas e os relatos de suas experiências mundo afora, Lucas faz uma parte deste trabalho. A outra parte se dá nos cursos e oficinas, onde ensinar a irresistível bergamota caramelizada ou variações do brasileiríssimo bolo de brigadeiro pode ser tão importante quanto conscientizar sobre o papel dos profissionais além da cozinha:
– É uma profissão nova no mercado e é um orgulho ter no Brasil uma escola como a Castelli. Formar pessoas capazes de analisar um bom chocolate, produzir a partir da semente e valorizar o produto nacional é lindo. O consumidor médio se educa por matérias de revista. Se uma reportagem falar que bom é Nutella, todo mundo como Nutella. Nutella é gostoso, mas é um doce ruim. É função de gastrônomos, confeiteiros e chefs educar para pensar em custo-qualidade, e não em custo-quantidade. Existe uma forma de consumo consciente que precisa ser falada. Quanto melhor for a qualidade do doce, melhor satisfaz o desejo e menos quantidade se come. Uma fatia de um bom doce pode custar o mesmo que três caixas de Bis, mas é melhor ter aquela fatia para comer por três dias, do que comer uma caixa de Bis por dia.
Jurado do bem
De adolescente que começou a se aventurar na cozinha produzindo pães de mel e bala de coco aos 14 anos até celebridade da gastronomia brasileira, a trajetória de Lucas Corazza passa pelo aprendizado com chefs como Henry Schaeffer, Alex Atalla, Bel Coelho, Sergio e Javier Torres e Mara Mello. Foi aos 20 e poucos anos que decidiu concentrar esforços no lado mais doce da vida, passando a se dedicar exclusivamente à confeitaria.
Partiu então para a França, onde estudou na ENSP (École National Superiére de la Pâtisserie) e teve contato com alguns dos principais especialistas da Europa, além de desenvolver uma de suas facetas mais conhecidas, a de escultor em chocolate.
De volta ao Brasil, uniu o amor pela cozinha à paixão pela comunicação, apresentando um programa de receitas e técnicas culinárias no YouTube, produzindo stories literalmente deliciosas no Instagram e divulgando fotos que muito bem traduzem o termo food porn (comida pornô) no Facebook. Já era um rosto conhecido dos amantes do chocolate quando foi convidado para ser um dos três jurados do Que Seja Doce, cuja terceira temporada inicia nesta segunda-feira (29). Uma das características do programa, no qual os participantes são escolhidos pelos jurados para se juntarem aos seus times e terem suas receitas publicadas no livro do programa, é que o júri não apela a críticas destrutivas e sensacionalistas como é comum a outros shows do gênero.
– Nossa crítica precisa ser construtiva e didática. Não me interessa destruir o sonho do candidato. Pelo contrário, me interessa falar que, se ele tem um sonho, aquilo pode acontecer. Ou falar "parabéns, você me surpreendeu", porque é uma delícia quando isso acontece. Poder estar em um programa com essa idoneidade, sem direção, sem ponto no ouvido, apenas experimentando doces e dando minha opinião, é algo que a gente só consegue na TV a cabo. Na TV aberta, não teria como.
Fã do sagu e pinhão
Quando uma paixão se torna um ofício, é comum que aos poucos se perca o prazer por ela. Não é o caso da relação de Lucas com o doce. Mas também é verdade que o chocolatier não é um consumidor desenfrado, até por uma simples questão de saúde.
– Sou exigente com a qualidade do doce que coloco no meu corpo. Não tenho mais aquela coisa de 5h sair de uma festa e passar numa padaria para comer um doce qualquer. Se o quindim estiver com cara de velho, não como. Muitas pessoas também me dão seus doces para experimentar, mas eu paro na experimentação. Porque é açúcar, envolve risco de diabetes, um monte de coisas. Eu quero viver bem e continuar produzindo doces para as pessoas, que é o meu maior prazer – diz.
Quando está em solo gaúcho, Lucas Corazza aproveita para reencontrar alguns de seus doces preferidos. É fã de sagu, sobremesa ideal para complementar o jantar numa galeteria serrana, e não dispensa os bons doces de Pelotas, os quais considera "geniais". Quanto está na Capital, não perde a chance de visitar o amigo confeiteiro Cássio Cevallos, a quem considera um dos melhores fazedores de doces do país.
Outra delícia admirada por Lucas é o pinhão. Com a semente da araucária, já arriscou certa vez um financier, espécie de bolinho feito com farinha de amêndoas, em que substituiu a matéria-prima original pelo pinhão misturado a mel, baunilha e chocolate branco. Dizer que ficou uma delícia é redundante.
MAIS
A Escola de Chocolataria Castelli atua desde agosto de 2013, com cursos de pós-graduação, curta duração e seminários no ramo da produção de chocolates artesanais.