A tela ainda está escura e o espectador já escuta a trilha que talvez traga a principal mensagem do longa Moonlight - Sob a Luz do Luar. A voz do cantor jamaicano Boris Gardiner sentencia: "every nigger is a star" (todo negro é uma estrela). A canção está tocando no carro de Juan (vivido por Mahershala Ali, vencedor do Oscar de ator coadjuvante), e ajuda a apresentar o personagem que será a principal referência ao protagonista do longa, o jovem Chiron (interpretado em três momentos diferentes pelos atores Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes). A jornada do garoto pobre crescendo na periferia de Miami, em contato direto com a violência, é um ensaio poético sobre tonar-se alguém, sobre identidade e liberdade. Sobre a possibilidade de entender-se como uma estrela, encharcada em luz própria.
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A história, dirigida por Barry Jenkins, é divida em três capítulos. O primeiro, denominado Little (Pequeno), mostra a infância devastada de Chiron. Com uma mãe viciada em crack e sendo hostilizado por colegas da escola, o garoto acaba conhecendo o traficante Juan, que se torna um mentor. É da relação dos dois que nascem os momentos mais especiais do longa, como quando Chiron pede ajuda para entender o que é "uma bicha", xingamento do qual é chamado constantemente. A resposta emociona.
Juan e a esposa ensinam as coisas mais importantes a Chiron, como por exemplo que um lar deve ser recanto de "amor e orgulho" ou que há um momento na vida em que todos nós precisamos decidir quem somos, algo que ninguém pode fazer por nós. Tomar as rédeas da própria vida, no entanto, parece algo impensável para o moleque que só enxerga violência e desesperança ao redor. Juan carrega uma doçura muito grande no trato com Chiron, instigando-o a olhar além.
No segundo momento do longa, um Chiron já adolescente se vê enclausurado pelo julgamento alheio. Preste atenção como as cenas dentro do ambiente escolar sugerem a prisão emocional enfrentada pelo garoto. Em meio ao caos familiar e social, há ainda a descoberta da sexualidade. Mas mesmo a doce possibilidade de um primeiro amor confronta-se a um contexto de violência e intolerância. A vida adulta, retratada na terceira parte do longa, é o período em que Chiron analisará o próprio caminho trilhado até ali.
É claro que o prêmio de melhor filme no Oscar 2017 carrega um enorme peso político (depois de a Academia ter sido massivamente criticada pela ausência de indicados negros em 2016), mas demonstra igualmente a força discursiva do longa. Em Moonlight, a jornada do herói é sobre pessoas que conhecemos, sobre ambientes que estão em qualquer cidade, sobre crianças, jovens e adultos tentando romper suas próprias correntes – tudo embalado numa fotografia belíssima. No discurso que acabou não fazendo por conta da confusão na hora do anúncio do vencedor do Oscar, o diretor Barry Jankins queria falar exatamente de autoestima, de como gostaria que as pessoas entendessem seu filme e o fato de um cara vindo de um ambiente tão hostil quando o retratado na telona estar vencendo um prêmio tão importante: "deixem que isso seja um símbolo, uma reflexão que leve vocês a amar a si próprios".
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CINEMA NA ESTAÇÃO
Incentivando a formação de público para cinema, Caxias recebe a partir desta quinta a segunda edição do projeto Cinema na Estação. Até o dia 13 de julho, haverá exibições de longas na Biblioteca da Estação. As sessões gratuitas ocorrem sempre às quintas-feiras, às 19h30min. A atração de abertura é Flores Partidas, do diretor cult Jim Jarmusch e com o ótimo Bill Murray como protagonista. Ainda neste mês o projeto exibe o coreano Primavera, Verão, Outono, Inverno... (dia 16), o russo Luna Papa (dia 23), e o italiano Cidade das Mulheres (dia 30). A iniciativa é da Varsóvia Educação e Cultura e SESC, com custeio do Financiarte.