Pronto: já vamos novamente folhear o calendário. Pessoalmente, no que me tange, eu já virei várias vezes essas singulares páginas. Não cometerei a injustiça e a ingratidão de dizer que cansei. Mas acho que fui me acostumando com o ritual e, imperceptivelmente, tornei-o uma rotina. O que não impede que eu me emocione diante de mais uma passagem. Fico contando os minutos com ansiedade, começo a brindar antes do tempo, vibrando em alegrias e entrando na folia. É impressionantemente bom abraçar apertada e demoradamente cada um dos nossos amados, ao sussurrar comoventes desejos, sob o estridor do foguetório e a chuva artificial dos fogos multicores.
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Esse momento único e salpicado de misteriosas magias almeja traduzir do fundo do coração, que sejamos embutidos com os recheios e os temperos da eternidade. Que nunca tenhamos doenças ou desgraças! Que todos nós possamos viver perenemente juntos, como se a morte não passasse de uma quimera. Eis que a cada ciclo que se abre, o que está implícito em nossas mensagens são votos de vida perpétua. A gente se confraterniza com a expectativa de um mundo melhor, na plenitude da saúde, capazes e fortes para enfrentar e superar todos os problemas. Que só floresçam e vigorem as amizades! Que todos se queiram bem, com amores, afetos e estimas! Que os preconceitos sejam definitivamente sepultados na vala dos detritos humanos! E, no entanto, sem a intenção de causar desagrados, reconheçamos que o mundo é contumaz reincidente em seus pecados.
Quanto e tanto nós suplicamos ao Bom Deus por dignidade e solidariedade, independente de convicções e credos! Entretanto, inexoravelmente, o circo continua e o teatro da vida não esgota suas perversidades e persiste imutável nas suas cenas trágicas. Nós, os atores, às vezes protagonistas e na maioria dos casos, meros coadjuvantes, acabamos por sermos guiados como meros instrumentos do destino. Temos a falsa e lábil pretensão de arbitrar e conduzir nossos passos, como se imunes e infensos aos poderosos elementos que regem as leis da natureza. Em contraposição, imbuídos da clara consciência de nossas fragilidades, resultamos mais resistentes do que pensamos.
Nada, todavia, irá evitar que os vulcões vomitem a maldade dos seus demônios. Que logo sejam perpetrados os primeiros assassinatos, a recorrência dos malfeitos, o "propinoduto" dos antipatriotas, a impunidade dos que mataram o próprio país. Guerras, massacres e terrorismos continuarão suas atrocidades. A fome e a miséria de mãos dadas. Assim é e será. E não esqueçamos que estamos, apenas e nada mais, comemorando a entrega do bastão do antecessor para o sucessor. E tudo durando tão somente um dia de tréguas. Em nossa hipocrisia adulamos o ano que está chegando e desprezando o que vai se despedindo – o mesmo ao qual brindamos com boas vindas e louvações no seu nascimento. Mas, de qualquer modo, acreditar é preciso e eu ainda quero. Sem ilusões, mas com minhas esperanças e a minha fé eu lhes desejo Feliz Novo Ano!