Mais do que palco para o Mississippi Delta Blues Festival, o Largo da Estação Férrea também é uma escola. Isso porque as oito edições do evento têm alimentado uma cena blues em Caxias do Sul que não para de se renovar, com novas bandas e novos músicos que se formam a partir do gosto pelo irresistível gênero do delta do Mississippi.
Boa parte dos novos cantores e tocadores de blues está nas escolas de música da cidade, como a Allegro e a Teclas & Cordas. É com os professores que eles logo aprendem que certas coisas não se aprende. Principalmente quando se trata de interpretar o blues, um ritmo em que o sentimento se sobrepõe à técnica.
- Cantar blues não é a mesma coisa que cantar uma MPB ou um rock. A carga sentimental é muito maior - comenta Juliana Giacomelli, 21 anos, que há um ano estuda técnica vocal.
O blues fisgou Juliana através da voz de Etta James, para muitos a maior cantora do gênero. Ainda entrava na adolescência quando ouviu All I Could Do Was Cry no rádio. Mais ou menos na mesma época, a família se mudou para um apartamento próximo à Estação Férrea, onde inaugurava o Mississippi Delta Blues Bar. Foi no "Missi" que ouviu a cantora Camila Dengo, à época na The Blues Beers, e sentiu que a melhor forma para exprimir seus sentimentos seria cantando o blues.
- É uma música que, se for ver as letras mais antigas, é muito sofrida. Se a pessoa não presta atenção nisso, pode parecer alegre, mas é um canto que veio dos escravos e tem a cultura do sofrimento e do trabalho muito carregada. Eu gosto de música com essa carga de significado _ diz Juliana, também fã de Tim Maia e dos cariocas da Facção Caipira.
As aulas começaram há um ano. Juliana, que é estudante de Direito, ainda não tem uma banda para chamar de sua. Por enquanto, canta em roda de amigos músicos e nos eventos que a escola organiza. Mas para o futuro, quer estar no meio musical:
- Todo mundo que está nisso quer fazer sucesso com a banda, estar na mídia. Se eu puder viver da música, vai ser demais. Mas também sou apaixonada por gastronomia. Se eu pudesse ter um Mississippi da vida, um lugar que eu pudesse tocar como negócio e também fazer música, seria o ideal.
Influência do Texas
A porta de entrada para o blues na vida de Andrigo Rech foi o guitarrista texano Stevie Ray Vaughan. Mas o caxiense de 21 anos tem nos músicos brasileiros, e principalmente alguns bem próximos, como os caxienses Cristian Rigon e Rodrigo Campagnollo e o gaitista portoalegrense Ale Ravanello, algumas das principais referências no gênero que o atraiu mais especificamente em 2012.
Naquele ano, circulava pela Estação Férrea enquanto rolava mais uma edição do festival, e, embora não tivesse ingresso, conseguiu ouvir alguns shows do lado de fora. Foi o suficiente para que, a partir do ano seguinte, garantisse os passaportes para não perder mais uma noite. Foi também em 2013 que começou a fazer aulas de guitarra. Até ali, praticava buscando informações na internet e em revistas como a Guitar Player.
Hoje, no porão da casa dos pais, local que escolheu para erguer uma espécie de santuário particular, Andrigo convive em meio a dezenas de CDs, DVDs, livros, revistas e métodos de guitarra que traduzem o ritmo e os diferentes estilos, como o texas blues e o jump, seus preferidos:
- O blues tem essa semelhança com o rock, o fato de ter gêneros e sub-gêneros, diferentes vertentes. Gosto de estudar tanto pra tocar quanto pra conhecer essas diferenças - conta.
Buscando recordar uma razão que o tenha feito preferir o blues, Andrigo não é romântico e nem filosofal. Para ele, é bom porque soa bem aos ouvidos.
_ No meu caso, o que me atraiu foi a sonoridade mesmo. Principalmente dos guitarristas, mas também da harmônica, outro instrumento muito ligado ao blues _ diz.
Enquanto não tem a sua própria banda, Andrigo, que também é técnico em eletrônica, produz vídeos para a internet. Posta em um canal no YouTube e divulga em grupos no Facebook.
Gaita: uma relação de intimidade
Matheus Soares tem 20 anos e pode contar que assistiu a todas as oito edições do Mississippi Delta Blues Festival. Na primeira, em 2008, era uma criança ajudando o gaitista Ricardo Biga a coordenar os workshops do evento. Poucos meses antes, havia procurado o professor para aprender harmônica, instrumento que ainda bem novo tinha ganho como brinquedo. E foi naquele primeiro festival que assistiu pela primeira vez Jefferson Gonçalves, um dos principais harmonicistas do Brasil e que se tornou um ídolo a ser reencontrado na atual edição.
- Sempre fui fascinado pelo ritmo do blues, e o som da gaita era o que mais chamava a atenção. O Jefferson mesmo, faz aquele som imitando o trem, maravilhoso. E me atrai esse fato de ser um instrumento tão prático, que tu pode levar no bolso e fazer um som a qualquer hora e onde estiver _ comenta.
Matheus estuda marketing na UCS, além de trabalhar com vendas e como modelo fotográfico. Não tem conseguido dedicar à gaita o tempo que gostaria, mas a paixão permanece a mesma de quando reunia os amigos com frequência para fazer um som, ensaiado ou de improviso. A última tentativa de formar uma banda foi no ano passado, mas o parceiro de som foi para a Austrália e o projeto esfriou. Mas Matheus segue à disposição no mercado do blues:
- Ainda tenho vontade de ter banda. A hora que aparecer uma precisando de um gaitista, é só me chamar.
Música
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