O primeiro show da noite de sábado, no palco principal do Mississippi Delta Blues Festival, começou pontualíssimo e com uma vantagem interessante: mesmo com o sol ainda brilhando, o espaço das cadeiras já estava cheio de sedentos por música. Era apenas uma amostra do público expressivo que circularia pela Estação Férrea nas horas seguintes. O número total de presentes ainda não foi divulgado, mas era impressionante como havia acúmulo de pessoas em qualquer uma das atrações do festival.
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O começo foi promissor, com a Décio Caetano Blues Band recebendo o gaitista chileno Gonzalo Araya - ambos já bem familiarizados com o ambiente por terem participado de outras edições do festival. Guitarra e harmônica pareciam melhores amigas, num entrosamento que animou o público na maior parte do show. O lamento característico do blues não deu muito as caras, a banda preferiu escalas de rockabilly e solos acelerados para esquentar o clima logo no início. Conseguiu.
- Saímos daqui às 6h30min, estamos acordando agora junto com vocês - disse Décio, confirmando o que todo mundo já sabe: quando os palcos externos encerram suas programações, o festival se transforma numa jam permanente dentro do Mississippi Bar, que só cessa depois que o sol aparece.
Durante o primeiro intervalo do palco principal, uma multidão podia ser vista no Front Porch Stage. É que a casinha recebia o show dos gringos James Wheeler - guitarrista que havia ocupado o palco principal na sexta - e Bob Stroger - baixista que, de tão à vontade em sua terceira vez na Estação, se referia à casinha como "minha casa". Os dois se revezaram nos vocais e mostraram o que melhor sabem fazer há algumas boas décadas. Quando o show ia se encaminhando para o fim, eis que o pianista Henry Gray surge de mansinho na plateia. Stroger o viu e acenou animado, uma pena a ausência de um teclado no palco, que impediu uma possível participação. O carisma de Wheeler e Stroger fez com que dezenas de pessoas se aglomerassem ao redor deles em busca de fotos. Assim, o próprio Gray pegou uma fila até conseguir chegar no amigo Bob Stroger para um abraço. Além de duas apresentações de Wheeler e Stroger, o Front Porch recebeu ainda a dupla Oly Jr. e Gonzalo Araya.
No palco Truck acontecia a estreia da banda Os Vespas no festival. Eles foram escolhidos pela internet para ocupar o posto e pareciam extremamente empolgados com o feito. Com um vocalista/guitarrista cheio de presença de palco entoando composições próprias em português, a banda mostrou um blues bem mais puxado para a pegada roqueira. Saxofone e harmônica complementavam o power trio poderoso em algumas canções, dando uma cara mais dinâmica ao som. Ótima escolha dos internautas. Pelo mesmo palco passaram depois Roney Daminato & Blues Muss e Coié Lacerda & Harlem's Club.
De volta ao palco principal, o guitarrista argentino Daniel Raffo surgiu acompanhado dos conterrâneos da King Size Blues. O vocalista da banda acrescentou muito à apresentação. Com uma voz digna de finalista de 'American Idol', ele contribui com energia aos solos de Raffo _ enquanto o guitarrista se concentrava na virtuose das seis cordas, o vocalista fazia dancinhas a lá Mick Jagger e corria de um lado a outro sem parar. O show ainda teve participação do gaitista Nico Smoljan e o repertório passeou entre vertentes blueseiras de jazz e soul.
No Street Stage, o show de Fran Duarte e Banda teve uma surpresa com a cara do festival: intuitiva e apaixonada. O garoto Lucas, com Síndrome de Down, coreografou todo o repertório de soul da cantora. Usando uma camiseta do Michael Jackson, o garoto referenciava os trejeitos do ídolo enquanto dançava em frente ao palco e Fran soltava o vozeirão já familiar aos caxienses em repertório de consagradas. A dança de Daniel contagiou tanto que a cantora o convidou para subir. Lá de cima, ele parecia nas nuvens e fez questão de colocar uma luva com brilhos (bem parecida com a que o Rei do Pop usava) e pediu para cantar Billie Jean no microfone. A energia do dançarino foi compartilhada entre todos, e ele foi ovacionado pela plateia. O palco Street também teve muito som dos anos 1950 e 1960 com Andy Boy Blues Review, além de Flávio Guimarães mostrando até música nova (Puro Malte).
Depois de circular bastante pelos outros palcos, havia chegado a hora de Henry Gray se apresentar. Não há como não simpatizar com um vovô de 88 anos que se senta atrás de um teclado para cantar e tocar as coisas da vida em forma de blues. O repertório não foi dos mais animados - um dos poucos títulos conhecidos foi Sweet Home Chicago _mas o carisma de Gray fez com que ninguém arredasse o pé da plateia.
No caminho que ligava um lado dos trilhos a outro, um grupo um tanto improvável num festival de blues fez com que dezenas de pessoas pulassem enlouquecidamente. O Bando Celta mostrou canções de origem céltica por meio de instrumentos como violino, violão, flauta, banjo e gaita de foles. Ao redor deles, a multidão se aglomerava facilmente e gritava "palco, principal, palco principal", como reconhecimento ao quinteto que fez pequenas apresentações ao ar livre na sexta e sábado. O Bando Celta cumpriu um papel parecido com o que o Lendário Chucrobillyman desempenhou na edição anterior: injetar adrenalina a qualquer um que se aproximasse.
- A gente não imaginava que seria assim, teve gente que nos assistiu ontem e veio dizer hoje "voltei por causa de vocês" - contou orgulhoso Leonardo Bueno, violonista do grupo.
Fechando a noite, Eddy Clearwater fez jus ao apelido "The Chief" e surgiu com um gigantesco cocar na cabeça. A entrada do músico no palco, passando pelo meio da plateia, foi a mais bacana do festival. O guitarrista esteve acompanhado de uma banda poderosa - Pedrão Strasser ocupou a bateria, enquanto Alamo Leal ficou com a guitarra. A participação do pianista japonês Sumito Ariyo Ariyoshi, que se apresentou no palco principal no primeiro dia de festival, foi outro apoio crucial para o desempenho de Clearwater.
O guitarrista canhoto mostrou a vibração diferente que seus dedos provocam ao dedilhar a guitarra com as cordas viradas. Apesar de cantar numa das músicas que "slow and easy" (lento e tranquilo) é o seu estilo, o chefe levantou a tribo foi mesmo com um rockão ao estilo antigo, Too Old to Get Married. Ao lado do palco, uma pequena arquibancada abrigava boa parte das estrelas da noite, todas impressionadas com a apresentação de The Chief. Na plateia, a sensação era a mesma.
Até 2014
Público expressivo e diversidade sonora marcam a noite de sábado do MDBF
Festival foi encerrado com apresentação de Eddy "The Chief" Clearwater, no palco principal
Siliane Vieira
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