Dona Clary Mariana Lazzarotto Michielon é provavelmente uma das moradoras mais antigas da Av. Júlio de Castilhos – especialmente do trecho compreendido entre a Marechal Floriano e a Garibaldi, onde situa-se o Edifício Ettore Lazzarotto. Não é para menos: no último dia 8 de agosto, a simpática senhora completou um século de vida. Mas toda essa trajetória começou bem longe dali.
Primogênita do casal Ettore Lazzarotto e Adélia Triches Lazzarotto, Clary nasceu em 8 de agosto de 1920, na antiga Sétima Légua de Caxias, entre os bairros Santa Catarina e Marechal Floriano. Irmã de Ítalo, Zila e Niva, a “menina” lembra de, até os cinco anos, falar apenas em italiano – Bortolo Triches, o avô materno, foi um dos primeiros imigrantes a chegar à Colônia Caxias, em 1876, oriundo da província de Belluno.
Já adolescente, Clary passou a frequentar o internato do Colégio São José, onde formou-se em 29 de dezembro de 1936 (foto oval). Ela não chegou a lecionar, mas lembra que, à época, o então prefeito Dante Marcucci ofereceu-lhe uma vaga para ser professora do Município.
– Como eu era muito nova, meu pai disse que só no ano seguinte – conta.
O ano seguinte, porém, reservou-lhe o casamento com o jovem Nelson Dante Michielon, em 4 de dezembro de 1937 – tanto a cerimônia religiosa quanto a festa ocorreram nos salões da lendária Vinícola Michielon, em Lourdes. Foi ali, em uma das casas da família do marido, próximas ao antigo Orfanato Santa Terezinha, que o casal viveu até meados de 1948 – ano em que eles residiram em Porto Alegre, gerenciando o escritório da firma.
Detalhe: ainda menor de idade, dona Clary precisou de uma autorização judicial para casar. Da união com Nelson nasceram quatro filhos: Sergio, Raul, Neusa e Roberto, que lhe deram sete netos (Marcelo, Henrique e Olavo, filhos de Sergio e Adriana Sassi), Andre e Gustavo (filhos de Raul e Lilia Dambros) e Roberto e Gabriela (filhos de Roberto e Maria Regina Souza). A família é completada ainda por sete bisnetos: Lucas, Júlia, Eduardo, Manuela, Theodora, Stella e Rafael.
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Um registro em 1944
Na foto acima, Clary (sentada à direita) com os filhos Raul e Sergio (à frente) e Neusa (no colo). Atrás, o marido Nelson Michielon (D) e os irmãos Zila, Ítalo e Niva (sentada à esquerda). A foto foi registrada em 1944, por ocasião das bodas de prata dos pais, Ettore Lazzaroto e Adélia Triches Lazzarotto (ao centro).
Abaixo, outro registro das bodas de prata de Clary e Nelson em 1962, com a mãe e os filhos.
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O Edifício Ettore Lazzarotto e a Malharia Trilá
A origem do Edifício Ettore Lazzarotto, onde dona Clary reside desde os anos 1960, tem uma história curiosa. Em meados dos anos 1930, Ettore, um dos fundadores da Cooperativa Madeireira Caxiense, residia com a esposa e os filhos no bairro São Pelegrino.
Ao visitar uma irmã doente no Hospital Pompéia, o industrialista interessou-se pelo terreno no barranco em frente – à época, a Júlio ainda não havia sido rebaixada. Comprou-o e ali construiu a nova casa da família, concluída por volta de 1940 (sede do atual Café Nobre no térreo).
Tempos depois, um prédio menor surgiria nos fundos. Foi onde passou a funcionar a Malharia Trilá, nome escolhido a partir da junção das primeiras sílabas dos sobrenomes Triches e Lazzarotto. Esse prédio foi também a moradia de dona Clary até a conclusão do imponente edifício batizado com o nome do pai ao lado da casa – onde ela, o marido e os filhos passaram a residir, no apartamento do primeiro andar, a partir de 1961.
Foi ali, tendo a casa dos pais e os dois prédios interligados, que dona Clary atuou no varejo da malharia e mesclou seu cotidiano a vários personagens e estabelecimentos do entorno.
Entram aí o Hospital Pompéia, os consultórios dos médicos José Brugger e Félix Spinato, o Palacete das Damas de Caridade, a Igreja Metodista, a família e o casarão de Ary De Carli e dos Amoretti, a parteira Ana Rochetti, o dr. Fracasso, a Sociedade Caxiense de Mútuo Socorro, a Alfaiataria La Bomba, a Farmácia Confiança, a Interlojas, entre tantos outros...
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Longevidade
Detalhes da trajetória de dona Clary – como a devoção a Santa Rita de Cássia e a atuação como noveneira da Paróquia Santa Teresa – e da evolução de Caxias ao longo do século 20 renderiam um livro, vide a perfeita lembrança de vários episódios testemunhados por ela desde 1920.
O segredo dessa longevidade talvez seja não pensar na idade, o que ela confirmou em vários momentos da entrevista feita na última semana.
– Eu nunca, mas nunca mesmo pensei que fosse chegar aos 100 anos.
Indiretamente, a “receita” foi dada:
– Eu só tenho a agradecer. Nossa família foi muito feliz.
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