
Uma das atrações turísticas de Farroupilha, o Museu Casal Moschetti salvaguarda a memória de uma personalidade símbolo da área assistencial do Rio Grande do Sul. Falamos de dona Lydia Moschetti, cujo início da trajetória filantrópica foi recordado em parte pelo colega Ricardo Chaves, titular da coluna Almanaque Gaúcho, do jornal Zero Hora. O texto a seguir foi publicado no último final de semana.
“Garotinha ainda, ía para a escola certa manhã, em Florença, quando, em companhia dos meus companheiros, vi um menino cego a pedir esmola na rua, sentado sobre a neve, tremendo de frio, com os sapatos rotos a mostrar seus pezinhos gelados e roxos. Levava nas mãos a tradicional sanfona dos cegos europeus e respondeu-me diante de uma pergunta que pedia esmola para se alimentar e que sentia muito frio. Resolvi, então, pedir dinheiro entre as pessoas que passavam por ali a fim de comprar castanhas para o pequeno se aquecer. Foi a primeira vez que pedi para os outros. À noite, ao chegar em casa, escrevi num papelzinho que ainda guardo naquela gaveta: ‘Cegos não deveriam pedir esmola’.”
O depoimento acima foi dado por Lydia Moschetti (1888-1982) a jornalista Célia Ribeiro e publicado na Revista do Globo nº 687, de abril de 1957, em Porto Alegre. Ele revela quando e como essa italiana nascida na Toscana sentiu pela primeira vez esse apelo de amparo ao próximo. Dona Lydia veio para o Brasil aos 19 anos. Casou-se com o engenheiro Luiz Moschetti em 1921. Ela foi uma mulher extraordinária. Professora, poetisa, romancista, atriz, cantora lírica, pintora, promotora cultural e, especialmente, uma inigualável ativista social. Entre muitas das suas iniciativas estão o Instituto Santa Luzia, para cegos e surdos-mudos (1941), e o Hospital Banco de Olhos (1956). Na mesma reportagem, ela diz:
“Muitos anos depois, em plena maturidade, voltei a ver outro cego que me tocou o coração, Na época da enchente de 1941, encontrei na escadaria da Galeria Chaves um velho acompanhado por uma criança tiritando de frio, com um cachorro deitado a seus pés a fim de esquentá-lo. Cheguei em casa com uma ideia fixa de fazer uma casa para cegos, torná-los úteis à sociedade e livrá-los da mendicidade. Perguntei a meu marido como íamos de finanças e ele me tranquilizou, propondo-se a me auxiliar nesta grande tarefa. Empenhei as joias para dar o arras da compra de uma casa na Avenida Independência e consegui o prédio do futuro Instituto Santa Luzia”.
Dona Lydia morava numa casa confortável na Rua Fernando Gomes, no bairro Moinhos de Vento, na Capital. Segundo a descrição da repórter, a residência evidenciava “sua alma italiana e aquela sensibilidade artística do povo peninsular, com estátuas de mármore branco, porcelanas de Saxe, candelabros e bronzes esparsos sobre móveis de estilo pesado”. Mas ela afirmava gastar pouco e confeccionar os próprios vestidos. “Prefiro guardar o dinheiro para meus pobres”, dizia, com altruísmo. Entre seus objetos, um leque antigo lhe traz reminiscências e a lembrança de sua mãe. “Dela herdei essa vontade de dar tudo aos outros. Tinha muito pouco, teve uma vida infeliz,mas nunca soube guardar nada e sempre repartiu com os outros o que considerava supérfluo”, confidenciou a Célia.
Lydia Moschetti soube pregar a solidariedade. Com sua enorme generosidade, alertava que devemos ver além do nosso próprio umbigo. Mais do que lembrada, especialmente nesses tempos difíceis, trata-se de uma postura a ser imitada.

O Museu Casal Moschetti
Inaugurado em 19 de fevereiro de 1972, o museu da Rua Rui Barbosa, ao lado da Igreja Matriz, abrigou durante anos a Casa Paroquial – foi a residência do Monsenhor Thiago Bombardelli e de vários outros religiosos da região. O que muita gente não sabe é que o casarão nunca foi a moradia do casal. Luiz e Lydia Moschetti residiam em uma mansão em Porto Alegre, mas estreitaram os laços com Farroupilha a partir de uma doença do filho – o clima ameno do município serrano foi indicado pelos médicos para auxiliar na recuperação do menino.
A partir daí, Lydia fez diversas amizades e apegou-se de tal forma à cidade a ponto de doar parte do mobiliário da família e pertences pessoais para a montagem do museu - à época, ela tinha 84 anos.
O acervo é composto por pratarias, porcelanas, bibelôs, objetos em mármore, móveis esculturados a mão, livros, pinturas e espelhos, todos do início do século 20. Além, claro, da história do casal e da trajetória humanitária de Lydia.

A boneca Lenci
Um dos destaques entre os objetos do Museu Casal Moschetti é a boneca Lenci, por seu suposto caráter sobrenatural. Confeccionada em porcelana, ela tem o tamanho de uma criança de oito anos e foi entregue a dona Lydia Moschetti como prêmio por sua participação em um concurso de música lírica. Sentada em uma poltrona num dos cômodos do Museu, Lenci desperta um misto de curiosidade e medo nos visitantes e é considerada uma das cinco maiores lendas urbanas do Estado. Motivo? Dizem que costuma “caminhar” pelo casarão à noite...