Há cerca de dois meses, a prefeitura removeu placas que adornavam esculturas e homenagens que existem nas praças Dante Alighieri e João Pessoa, em Caxias do Sul. A ideia era frear a sequência de furtos das peças, que atraem a atenção dos criminosos por sua composição em bronze. Na época, a Secretaria da Cultura manifestou intenção em substituí-las por peças em acrílico. Porém, passado esse tempo, o processo está parado no Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (COMPAHC), conforme a coordenadora da Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dippahc) da Secretaria Municipal de Cultura, Heloíse Salvador.
— Estávamos prestes a continuar com o procedimento que já foi adotado por outras gestões (substituir placas de bronze por acrílico), mas o Compahc parou tudo e quer que a gente faça estudos e apresente alternativas. Vamos ter de recomeçar todo o processo — lamenta Heloise.
A coordenadora afirma que tudo estava encaminhado para iniciar o processo de recolocação das placas, inclusive com orçamentos prontos. Porém, o material de acrílico não teria agradado aos conselheiros:
— Eles disseram que não querem acrílico, mas fazer de outra maneira demandaria moldes e um processo caríssimo, sendo que provavelmente não há verba — complementa.
De acordo com Heloíse, a decisão da remoção das placas para evitar novos furtos foi elogiada por diversas entidades e especialistas, porém, a inviabilidade em agilizar o processo de reposição do material trava o projeto.
— Paramos tudo. Foram tantas cobranças de que o conselho tinha que opinar, que recorremos a eles. Mas a verdade é que legalmente eles não têm (que opinar). A gente ouve porque é a comunidade. Então, estamos aguardando. Mas, em resumo, o conselho nos trava tudo — desabafa.
Para prosseguir com o trabalho, a Dippahc depende de parecer do Compahc que, por sua vez, não tem previsão de quando irá remeter o tema para debate entre os conselheiros. Considerando que o grupo se reúne uma vez por mês, há grandes chances de a análise ocorrer somente no próximo ano.
— Nossa pauta é tão extensa que não tivemos tempo de avançar nos últimos encontros. O que posso dizer é que os conselheiros decidiram que não é uma coisa tão simples para dizer "faz A" ou "faz B". Por isso está para estudo. Os conselheiros vão propor soluções para ver qual o melhor material para reposição — defende a presidente do Compahc, Maristela Guareschi.
Maristela ressalta também que a intenção é definir diretrizes a longo prazo que possam ser adotadas no futuro, caso voltem a ocorrer situações semelhantes de furto.
Levantamento
Ao todo, de acordo com a Dippahc, existem 114 monumentos e placas cadastrados na cidade. Entretanto, não há uma lista do que já foi perdido ou vandalizado. Somente na Praça Dante Alighieri, são 11 monumentos.
FURTOS
Entre os casos mais emblemáticos de furtos recentes na área central estão a Rosa dos Ventos (Marco Zero), que ficava na calçada da Rua Marquês do Herval, no lado leste da praça Dante Alighieri. A placa, constituída em bronze, teve a ausência notada no dia 6 de agosto de 2018. Também foram furtados neste ano a placa que identifica o monumento Gigia Bandera, instalado junto à Rua Dr. Montaury, no lado oeste da Dante; e o Monumento a Cândido João Calcagnotto, busto confeccionado em bronze, que pesava cerca de 50 quilos e ficava na Praça da bandeira. Ambos os furtos foram percebidos em julho deste ano.
"Ignora-se o valor do patrimônio, a história"
Professor de física e artista plástico, Alexandre Arioli, 65 anos, define-se como um "cidadão que se sensibiliza pela preservação da memória". Apesar de não trabalhar na área, porém, Arioli colabora com peças para o Museu Municipal e o Arquivo Histórico há mais de 20 anos e, sobretudo, atua como fiscalizador da integridade do patrimônio histórico do município. Arioli foi um dos que sugeriu à Secretaria Municipal da Cultura remover as placas em bronze e repô-las por réplicas em acrílico.
— Comecei notar a depredação dos monumentos e vi que uma nova onda de furtos estava surgindo. Encontrei o pessoal ligado à proteção do patrimônio e sugeri retirada imediata das placas. Coincidentemente, logo depois foi furtada a Rosa dos Ventos (Marco Zero). Aí, eu pensei: "no (monumento ao) Dante Alighieri ninguém vai mexer" e isso me incentivou a cobrar ainda mais. Então, o pessoal da cultura decidiu adotar essa medida. Há críticas (quanto à retirada), mas é melhor remover e guardar em local seguro do que perder para sempre — afirma.
Arioli acredita que o desinteresse pelo patrimônio cultural do município demonstrado por parte da população reflete uma época de ignorância:
— Existe uma alienação, é um mundo zumbi que vivemos no Brasil. Ignora-se o que aconteceu, a história, o valor do patrimônio, a importância da memória. Se tivéssemos mais consciência do que é ser cidadão, talvez isso não acontecesse. Tem também aquela visão de que é para destruir "porque só dá despesa". Sem memória, nós nos perdemos, não temos os limites necessários para tomar decisões importantes — lamenta.
O mesmo descaso, no entanto, de acordo com Arioli, seria demonstrado pelo próprio poder público.
— Eu sempre tive muito medo de incêndio nesses lugares, como o que ocorreu no Museu Nacional, ou mesmo cupins. Mas hoje eu sei que o pior cupim dos acervos são as administrações públicas. Percebo que eles (poder público) sequer têm um mapeamento completo (de todo o patrimônio). Há um aparente desinteresse, parece que estão ocupando cargos burocráticos. Não se tem ideia do que existe na cidade — critica.