Passados mais de 35 anos, a demolição da antiga Vinícola Mosele, na Avenida Rio Branco, ainda desperta um misto de indignação e revolta. Principalmente porque, mesmo com a anunciada derrubada de parte do complexo para a instalação da nova sede da Receita Federal, um acordo entre representantes do órgão e uma comissão municipal formada por defensores do patrimônio histórico previa a preservação da lendária fachada em pedra.
Conforme matéria publicada pelo Pioneiro em 30 de outubro de 1981, "o prédio da Vinícola Mosele começará a ser demolido parcialmente nos próximos dias. Ontem à tarde esteve em Caxias o diretor do Departamento de Administração do Ministério da Fazenda, Jorge Caetano, que fez um acordo com a Sociedade de Engenharia e Arquitetura para preservar a parte da frente do prédio, que sofrerá apenas uma reforma".
Na mesma matéria, o arquiteto Paulo Bertussi, principal articulador do movimento a favor da preservação, enfatizava, após uma visita a Brasília, que "o acordo com o Ministério da Fazenda foi uma vitória da população caxiense". Segundo relatou Bertussi ao Pioneiro, "... todas as pessoas de nossa cidade estavam torcendo para que o prédio não fosse destruído. Mesmo sendo demolido em parte, ficará bom porque a área mais importante ficará preservada e recuperada."
As obras
O acordo previa a demolição da fábrica apenas na parte de trás. Os 1,2 mil metros quadrados de frente para a Avenida Rio Branco seriam preservados e reformados, com a finalidade de abrigar a biblioteca e os arquivos da Receita Federal. Porém, não foi o que aconteceu.
Os magníficos prédios datados da década de 1930 foram ruindo aos poucos, às vistas de quem passasse pela avenida, mesmo com os tapumes de isolamento. Sob a supervisão da empresa Stacon - Estaqueamento e Construções, de Santa Rosa, o terreno foi completamente limpo, com parte da demolição feita manualmente, a outra com o uso de explosivos.
Cerca de três anos depois, em novembro de 1984, a Receita Federal migrava do Edifício Adelaide (galeria do Bar 13) para uma Avenida Rio Branco sem o menor resquício da velha vinícola. Diferentemente da Cantina Antunes e da Cervejaria Pérola, nem a chaminé da Mosele sobreviveu.
Sobreviventes mesmo, apenas os enormes portões de ferro da fachada, resgatados pelo historiador Juventino Dal Bó e salvaguardados no pátio interno do Museu Municipal até hoje.
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O início
Fundada em 1935 pelos empresários Eduardo Mosele, José Jaconi e Fortunato Mosele, a Vinícola E. Mosele & Cia localizava-se em local privilegiado para o escoamento da produção: na Av. Rio Branco, poucos metros acima da Estação Férrea e do terminal de cargas.
Em 1947, a firma transformou-se em Sociedade Anônima, com sua razão social alterada para E. Mosele S/A – Estabelecimentos Vinícolas, Industriais e Comércio. Entre seus acionistas figuravam, além do presidente Eduardo Mosele, o diretor técnico Fortunato Mosele, o gerente João Mosele e os diretores comerciais Firmino Bisol, Hugo Castello Koeche, José Mosele, Beno Weirich, Adelino de Barros, Paulo Segalla, Orlando Mosele e Rodolfo Schio.
Fábrica de garrafas
Em 1950, a empresa somava mais de 200 operários, possuindo ainda fábricas próprias de garrafas, barris e caixas para acondicionamento das bebidas, além de dois engenhos com destilaria para a produção de álcool e outros derivados.
Na parte logística, a Mosele contava com escritórios e depósitos no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Também mantinha representantes em cerca de 200 praças do país.
Fartura
Nos tempos áureos, a produção da Mosele era vasta. Da fábrica para a mesa dos consumidores do Estado e do Brasil saíam o Branco Seco, o Clarete Mosele, o Riesling Mosele, o Espumoso Frisante Branco Seco, o Reno Mosele, o Frisante Tinto, o Vermuth Branco, o Gemado OK, o Quinado e o Conhaque Mosele, além do suco de uva e do Fino Champagne Mosele. Sem falar, claro, nos lendários vinhos Raposa e Raposa Verde.
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