Lançado em 2005, o livro Nossas Mulheres... que ajudaram a construir Caxias do Sul, traz o perfil de centenas de moradoras que, de alguma forma, tiveram sua trajetória de vida atrelada à história da cidade desde os primórdios do século 20. Odila Gubert, filha dos agricultores João Gubert e Genoveva Bettiol Gubert, foi uma delas. Vitimada pela explosão ocorrida na Metalúrgica Gazola Travi & Cia em 22 de julho de 1943, Odila, então com 21 anos, foi uma das sobreviventes da tragédia e por décadas carregou a marca do episódio: a perda da perna direita.
Conforme informações apuradas pelas autoras do livro, as professoras Leonor Aguzzoli e Maria Abel Machado (in memoriam), a jovem nasceu em 9 de agosto de 1922, na Capela de Nossa Senhora do Rosário, interior de Caxias, onde cresceu auxiliando a família nas lides de casa e da lavoura.
Buscando aumentar a renda e comprar um enxoval, Odila conseguiu um emprego na fábrica – que na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) integrava o grupo de empresas caxienses mobilizadas a produzir munições e material bélico exclusivamente para o Exército Nacional.
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Negligência médica
Segundo relatado pela própria no livro, Odila perdeu a perna por negligência médica. Como encontrava-se em estado grave, sem esperança de recuperação, os médicos não se preocuparam: quando deram-se conta, o membro inferior já estava necrosado.
Amputada a perna, Odila começou uma via-crucis em busca de apoio para sobreviver. Da firma, recebeu apenas o ressarcimento das despesas hospitalares. Os custos da acompanhante foram quitados pela família, enquanto o seguro pagou apenas uma indenização irrisória: dois contos e novecentos.
"Eu não queria assinar porque achei pouco, mas o funcionário da companhia me disse que, se eu não assinasse, o dinheiro iria para Porto Alegre e eu não receberia mais nada", contou no livro.
Morando na zona rural de Caxias, longe de transporte, caminhando com o auxílio de uma muleta e sem condições de enfrentar novamente o trabalho fora de casa, Odila batalhou durante sete anos para obter um auxílio-doença. Somente em 1964, ela conseguiu aposentar-se por invalidez, recebendo o equivalente a apenas um salário mínimo.
Odila Gubert faleceu em 22 de fevereiro de 2003, aos 80 anos.
Uma família, várias gerações de mães
A matriarca e as 10 filhas
Odila Gubert era uma das 10 filhas do casal João Gubert e Genoveva Bettiol Gubert, que teve ainda outros cinco descendentes homens. Nascida em 1891, a matriarca Genoveva era filha dos imigrantes italianos Joseph e Ursula Bettiol, oriundos da cidade de Feltre, província de Belluno. Em 1929, ela ficou viúva de João, falecido com apenas 49 anos.
Na imagem acima, de meados dos anos 1950, vemos Genoveva (sentada ao centro) rodeada pelas 10 filhas: em pé, Edith Gubert, Jurema Weber, Zulmira Gubert de Souza, Odila Gubert e Clélia Weber. Sentadas, Graciema Gubert Bertin, Irene Mazzotti, Aurora Rech, a matriarca Genoveva, Isalina Scalabrini e Rosalba Orsola Gubert.
Genoveva faleceu em 1964, aos 73 anos.
Lembranças de 1943
:: A tragédia da Gazola foi lembrada em um dos cinco programas da série Guerra e Paz, exibida pela RBS TV em 2010. Assista ao episódio "Aos Olhos de Santa Bárbara", dirigido por André Costantin, clicando AQUI.
:: Um monumento erguido no pátio da empresa Gazola (atualmente sede de uma fábrica de móveis corporativos) homenageia a memória de Odila e das seis operárias mortas na época: Graciema Formolo, Irma Zago, Júlia Gomes, Maria Bohn, Olívia Gomes e Tereza Morais.
:: Toda uma atmosfera fúnebre se espalhou pela cidade em julho de 1943, com a realização de um velório coletivo na Catedral Diocesana.
:: Milagre ou coincidência, uma imagem de Santa Bárbara, protetora contra raios e explosões, foi um dos poucos objetos que ficaram intactos com a explosão.
Memorial
O Memorial Gazola abriga documentos, fotos e peças que resgatam a trajetória da metalúrgica. O espaço vem sendo organizado pelos proprietários com o auxílio do Instituto de Memória Histórica e Cultural (IMHC) e dos acadêmicos do curso de História da UCS.
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Parceria
Informações deste post são uma colaboração de Marilene Bertin, filha de Graciema Gubert Bertin, sobrinha de Odila Gubert e neta de Genoveva Bettiol Gubert. Parte do texto foi extraída do livro Nossas Mulheres..., de Leonor Aguzzoli e Maria Abel Machado.
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