De agosto de 2019, quando o projeto foi lançado, até o final do ano, foram feitas aulas de capacitação aos sábados pela manhã sobre educação financeira, resiliência, espiritualidade, entre vários outros temas. Nos encontros, também foram feitas dinâmicas de grupo onde os voluntários desenvolveram a autoconfiança nos 36 adolescentes e jovens que participam, e a confiança deles nas outras pessoas.
As idades variam entre 14 e 19 anos, mas nem todos os acolhidos de Caxias nessa faixa etária participam. As coordenações dos abrigos e casas-lares encaminham aqueles que não têm problemas de disciplina e que desejam integrar o grupo.
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— Muitos deles carregam consigo um histórico que não basta apenas dar uma oportunidade profissional. Antes da profissionalização, estamos trabalhando a humanização. Eles têm histórias dramáticas que, sozinhos, eles não têm como dar conta de superar — diz o frei Jaime Bettega, explicando que os adolescentes recebem atendimento psicológico, caso necessitem.
A iniciativa também já ofereceu vagas em cursos como robótica e fotografia, descontos em outros cursos, bolsas de estudos para faculdades e já conseguiu inserir três adolescentes em estágios por meio de parcerias com empresas (leia mais abaixo). A coordenadora do Crescer, Antoninha Schauren (Nina), lembra que um dos critérios para o acolhimento na Casa Papa Francisco é que o jovem esteja estudando ou trabalhando:
— Eles não têm esse preparo. Eles têm a casa, mas se não fizermos um trabalho de capacitação, não estaremos atendendo a necessidade destes jovens. A partir daí surgiu a iniciativa de prepará-los tanto para o mercado quanto para a vida. Para eles seguirem um rumo sozinhos.
Em dezembro, o projeto iniciou uma segunda fase em que alguns profissionais se tornaram mentores para focar nas questões mais particulares e individuais de 18 adolescentes na faixa dos 16 aos 19 anos.
— Com 16 (anos) eles começam a ficar com pânico do que vai acontecer com a vida deles. Eles viveram uma vida inteira sem assistência nesse sentido e não é de um dia para o outro que vão se transformar. Tem um tempo para isso. A "mentoria" vai ajudar muito — comenta Nina.
Quem quiser se voluntariar ou contribuir pode procurar a Associação Mão Amiga. O contato é pelo (54) 3223 5420.
"É bom para a empresa, para o jovem, para a sociedade", declara empresário
Andressa Brum de Camargo, 19 anos, começou em uma empresa de engenharia no ramo de soluções e inovações tecnológicas para indústrias no início de dezembro (2019). A oportunidade surgiu da participação dela e do empresário Juliano Lenzi como voluntário no Projeto Crescer. Ele precisava de alguém que ficasse responsável pelas publicações sobre a empresa nas redes sociais e ela, de oportunidade.
A jovem, que já figurou nas páginas do Pioneiro ao ser a primeira moradora da Casa de Acolhida Papa Francisco, conta que foi Jovem Aprendiz por duas vezes no Senai onde aprendeu um pouco sobre marketing. Conhecimentos que está aplicando no estágio. Andressa morou por muito tempo em um abrigo da cidade, até que foram abertas as casas-lares. Ficou em uma delas até abril deste ano, quando inaugurou a Papa Francisco.
— Quando completa 18 (anos) tem que se locomover (deixar o local em que está acolhido), se virar. Então, eu tinha essa insegurança porque me acostumei em abrigos... mas, depois que fui para a república (Casa Papa Francisco), acabei gostando. A gente aprende tudo. Na Papa a gente tem autonomia, ajuda a limpar a casa, arruma os nossos quartos, lava as roupas, faz comida também... é praticamente uma casa tua. Eles também exigem estar trabalhando e estudando — comentou.
Foi por meio do Projeto Crescer que a jovem conseguiu uma bolsa de estudos na faculdade de Administração. Ela pagava o curso como valor que recebia no Senai. A parceria com o projeto possibilitou fazer as aulas (na modalidade à distância) sem custo.
— A gente conhece outras pessoas que já tem experiência no mercado, isso acaba mudando nosso ponto de vista, nossa visão. Eles acabam nos ajudando em tudo. Isso é bem bom — declarou a estagiária.
Andressa concorreu à vaga de estágio na empresa com outros jovens, que não fazem parte do sistema de acolhimento, e foi selecionada. Se ela encontrou no projeto a orientação que precisava para trilhar um caminho, Lenzi foi atraído pela chance de retribuir, de alguma forma à sociedade a ajuda que teve no passado.
— Sempre tive essa vontade. Sei o quanto foi importante para mim ter o apoio de uma empresa, alguém que acreditasse em mim, me desse suporte e orientação no início da minha carreira profissional. Então, se eu tendo condições, é meio que uma obrigação retribuir de alguma forma. Tem muitos jovens competentes, inteligentes, capacitados e com grande potencial, que só precisam de uma oportunidade para conseguir se inserir no mercado de trabalho. É bom para a empresa, para o jovem, para a sociedade, para as instituições, para todo mundo – declarou o empresário.
"Vi que era uma experiência nova para mim", diz adolescente
Em uma empresa do ramo imobiliário de Caxias, a adolescente de 14 anos que cursa o 7º ano do Ensino Fundamental e sonha ser professora de Educação Física encontrou acolhida, orientação e uma chance de aprender e de se desenvolver. Tímida, conta que a "tia" da casa-lar onde mora disse que seria bom para ela participar do Projeto Crescer.
— Daí, eu fui. Gostei. Disse para ela (coordenadora da casa-lar) que gostaria de ir todos os sábados, porque vi que era uma experiência nova para mim. Cada sábado era uma atividade diferente. Para mim, foi bom, porque a gente vê pessoas novas e porque é legal ter uma convivência com pessoas de fora... (o projeto) é uma coisa nova para os adolescentes aprenderem para quando forem saindo das casas, é bem interessante — declarou a adolescente.
Nos encontros, ela conta que aprendeu a economizar o dinheiro, trabalhar em equipe, entre outras coisas.
— Eu era bastante tímida. Tinha vergonha de chegar perto das pessoas. Lá aprendi a me aproximar. Isso foi uma diferença — relatou.
Segundo Fernando Gonçalves dos Reis, um dos idealizadores e voluntário do projeto, as oficinas aos sábados serviram justamente para preparar os adolescentes para que eles tenham autonomia. Nesse sentido, foram tratados pontos como autoestima, desenvolvimento pessoal e trabalho em equipe.
— O principal é a autoconfiança porque são jovens que foram submetidos a muitas situações potencialmente estressantes, seja de violência, abandono, agressões. Então, para eles a questão da confiança é o fator principal, porque eles já não acreditam muito na vida, nas pessoas. Temos que provar para eles que somos merecedores de confiança. Para isso, precisamos partir da realidade deles, entendê-los sem julgamento e, principalmente, com amor, se mostrando disposto a ouvir, a compreender e a ajudar — comentou o empresário.
Na empresa, a adolescente diz que faz um pouco de tudo. Ajuda qualquer um dos funcionários dos diversos setores no que eles precisarem.
—Eles têm muitos sonhos, projetos de vida... acredito que o Projeto Crescer vai contribuir muito para que eles possam ser cidadãos mais conscientes e mais preparados para a vida e para o mercado de trabalho. Talvez, a gente não consiga ter sucesso com todos, mas se a gente conseguir ajudar pelo menos um já vai ter valido a pena todo o trabalho que está sendo feito – disse Reis.
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