Dois assuntos têm sido recorrentes nesse insólito 2020: “teu microfone está desligado” e a percepção difusa sobre o tempo. Tenho ouvido muita gente comentar sobre a rapidez com que o ano passou — “já é Natal” — e outros com a lentidão dos últimos meses — “não fiz nada do que tinha planejado”. Talvez essa noção tenha se intensificado em quem, como eu, continua trabalhando em casa desde o início da pandemia. A gente mal sai da cama e já começa a participar de reuniões, faz um monte de coisas e, no final do dia, fica com a sensação de que não fez nada. Pensa nisso multiplicado por oito meses?
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Uma das minhas preocupações centrais em relação à passagem do tempo é ter a certeza (ou alguma fagulha dela) de que estou seguindo no caminho certo, que estou avançando. Não gosto muito da ideia de me sentir presa a uma situação que não acrescenta. Às vezes, no entanto, me sinto como o coelho da Alice, aquela do País das Maravilhas, com a sensação de estar sempre atrasada. Aí é sinal de alerta: preciso parar e observar o percurso. Respirar para seguir em frente.
Sei que, desta forma, não bastariam 30 horas num dia, porque o problema reside justamente na (má) administração das tarefas. Delegar muito tempo a uma atividade e pouco a outra diz mais sobre o momento que a pessoa está vivendo do que às atividades em si. Sim, todo excesso esconde uma falta. Ainda assim, alguns pesquisadores apontam que essa é a primeira vez, desde os anos 1950, que houve uma alteração real no tempo que dispomos para o lazer, porque temos mais dificuldades em desligar, estando em um ambiente compartilhado casa-trabalho. E isso virou uma desculpa perfeita!
Vale lembrar, no entanto, que a sensação da passagem das horas é bem subjetiva, não tem relação direta com os ponteiros do relógio. E é bem fácil ilustrar isso: quando estamos em um momento especial, divertido, o tempo parece passar rápido demais. A gente nem vê passar um reencontro com uma amiga, de tantas novidades que surgem! Por outro lado, uma aula chata ou uma reunião burocrática parecem demorar séculos... Ou um beijo apaixonado, em que o tempo parece parar... É o frio na barriga (ou a ausência dele) que desperta a vontade de congelar o tempo ou de tentar apressá-lo.
Agora, por falar em pressa, também vivemos num mundo que festeja pessoas superocupadas, tal qual o coelho da Alice, que estão sempre fazendo algo importantíssimo. Não ter tempo para nada virou uma espécie de status, vê se pode. Tempo é artigo de luxo —isso eu superconcordo. Minha mãe, que faz trabalho voluntário há muitos anos, sempre fala que a essência da atividade está em doar o tempo, nosso bem mais precioso, e não o tempo que sobra. Percebem a diferença da intenção?
Disso, mantenho duas ideias em mente: tempo economizado não é recuperado, precisamos aproveitá-lo ou ele se esvairá para sempre. E, quando entendermos que o tempo é nosso —está sob nossa responsabilidade e gerenciamento – podemos conseguir fazer tudo o que quisermos. É só deixar a pressa de lado, respirar e incorporar um pouco de fruição ao passar das horas.
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