Dia de faxina é sempre a mesma história: arrasta os móveis, abre toda a casa, janelas escancaradas, luz solar entrando, produtos de limpeza, panos, vassouras e muita água. Ao nos prepararmos para a faxina, olhamos a casa escaneando e a situação nunca parece tão grave quanto vamos percebendo durante o processo. Acontece que a sujeira se esconde. Grudada nos cantos, se embrenha nos vincos que formam a matéria lar, se transfigura em normalidade, cria aderência aos móveis. A sujeira parece que não existe até que se jogue água e sabão e esfregue com força. Então, toda a imundície emerge em um caldo marrom que causa certa repugnância.
O caldo espesso e imundo daquilo que é impureza antiga e, não era perceptível aos nossos olhos, pode causar asco, mas deveria nos trazer outro sentimento: alívio. Ele é a representação do que está em processo de higienização e vai trazer asseio, saúde. Essa sujidade toda também é parte de nós, do nosso cotidiano. Tudo vai seguindo em frente higienizado, mas em tudo que segue, algo de sujo, nem que seja mínimo, fica para trás.
Analogias/mitos são importantes para entendermos a existência. Trago a faxina da casa à luz para buscarmos entender que é preciso "dar uma geral" vez ou outra, também, em nós, em nosso íntimo. Tudo o que vivemos, cada mínima coisa deixa rastros. Aquela situação difícil, traumática, de dez ou vinte anos atrás, que não foi tratada, pensada, encerrada. Sabe aquela situação não superada, pois é, ela ainda mora em algum lugar dentro de nós.
Temos por hábito e obrigação social a ordem suprema de seguir nossas vidas apesar de tudo. Isso tem um preço e ele é alto, às vezes impagável. Vamos juntando tanta sujeira pelos cantos durante o tempo, que limpar tudo pode se tornar impossível. Talvez toda a água e todo o sabão do mundo sejam insuficientes para tamanha imundície.
Trazendo o tema para minha vida, pois é só dela que posso falar em verdade, percebo que cada choro que engoli, cada ofensa que absorvi, cada descrédito que me foi dado e eu interiorizei ainda me lameiam os cantos da existência. Segui sempre, sem gritar, sem chorar, sem pedir ajuda. Isso nada mais é que as impurezas que fui guardando lá no mais profundo da minha casa, que sou eu.
Entendendo isso, tenho feito faxinas constantemente dentro de mim. O primeiro caldo da faxina parecia uma enxurrada, puro barro. Eu não tinha ideia que havia tanto a ser limpo. Envolto a ele havia muito choro, velhas dores emergindo como um esgoto entupido que joga tudo para fora, para cima. Fui limpando e a cada faxina, mais ralo saía o caldo. Sua cor hoje já traz algo de transparência, apesar de ainda estar carregado das minhas poeiras densas.
Tenho caminhado assim, pacientemente, com limpezas periódicas e cuidando para que novos poluentes não adentrem meu lar.