Descobri que sou uma pessoa sem graça. Definitivamente isso não estava nos meus planos de início de ano, porém foi involuntário. Escutei um amigo contar sobre a primeira vez que quebrou o braço, lá pelos 8 anos, e me senti um pouco deslocado porque eu era o único da roda com os ossos intactos. Tudo isso bem que poderia ser considerado apenas como drama, mas a lista só cresceu depois que eu passei a pensar em tudo aquilo que nunca vivi.
Talvez o fato mais desesperador herdado quando criança seja que eu nunca aprendi a andar de bicicleta. Escondi esse segredo durante anos, já que revelá-lo para amigos seria uma vergonha gigantesca. Que criança não sabe andar de bicicleta?! Talvez só aquelas que tenham preferido ganhar um videogame do Papai Noel… Pois é.
Apesar de gostar de água (mares, piscinas…), também não sei nadar. E nem foi por falta de tentativa, já que até hoje alguém se candidata a riscar essa característica da minha lista de desaprendizados. Quanto a isso, permaneço sem sucesso. Vai ver certas coisas a gente só nasceu para ser espectador, e não para fazer parte.
Para não dizer que só falei das coisas ruins, preciso destacar que nunca tive uma cárie. Confesso que já encontrei um pontinho preto em um dos dentes e até fiquei feliz. Sabe, só pela ideia de me sentir um pouco mais incluso no grupo de pessoas normais que já quebraram ossos, tiveram cáries, e que caíram enquanto aprendiam a andar de bicicleta. Para a minha sorte (acho), não era cárie. Continuo invicto.
Tem quem resuma tudo isso com um termo tão doloroso quanto se ralar brincando: eu fui uma criança de apartamento. Pior que isso, fui uma criança de apartamento que sempre escutou como a geração anterior vivia à base de Merthiolate, criava anticorpos por brincar na chuva e no barro sem frescura, e que fazia da rua um grande playground.
Não culpo ninguém por essa minha falta de vivências perigosas. Inclusive, torço para que o meu charme seja essa minha sem-gracice, pois ela há de se destacar de alguma forma. Se eu cresci em uma bolha de proteção ou não, quem sabe não seja mais prático acreditar que é melhor continuar com o meu antebraço ileso. Por mais que eu invejasse todas aquelas assinaturas no gesso dos colegas, cresci com outros machucados imperceptíveis a olho nu. Talvez isso prove que mesmo envoltos em mil camadas de plástico bolha, nunca estivemos (e nem estaremos) 100% protegidos.