Quando meu avô morrer, vai ser o fim de uma era. O seu Luiz é o último representante do mundo dos avós na minha vida, e neste ano ele fez questão de deixar claro: “vamos comemorar esse meu aniversário, pois será o último”. É claro que recebemos a frase com um pouco de descrença, não só porque o meu avô sempre flertou com o drama, mas também porque não queremos acreditar que essa hora pode estar chegando.
Minha relação com avôs e avós sempre foi sutil. Desde que nasci, só tive a figura de um avô materno e uma avó paterna, a qual ficou doente no ano que nasci. Os trabalhos de escola no dia dos avós não faziam tanto sentido para mim, já que convidá-los para as apresentações e homenagens estava fora de questão. A tal tradição de passar o dia na casa da vó, envolto no típico cheirinho de sua comida, foi sustentada pela minha bisavó. E por dividir terreno com o meu avô, aquilo sempre foi o suficiente. Mesmo que os seus papéis em minha vida fossem diferentes daqueles desempenhados pelos avôs dos meus colegas, existiu um canto da cidade onde pude ser criança de verdade.
O cachorro que nunca tive foi representado pelo Mickey, o vira-lata de dentes tortos do meu avô. Quando sofreu um acidente, acho que ele foi a primeira experiência que tive com a morte e como devemos (tentar) compreendê-la. O matagal em frente à casa do meu avô foi o lugar para criar aventuras que só crianças conseguem imaginar, e o espaço livre para andar de patinete e montar a piscina de mil litros me permitiu ir além do espaço limitado do apartamento onde morava.
Quando eu chegava na casa do seu Luiz, ele já me esperava com um Kinder Ovo ou com um pacote de Amandita, doces que eu gosto até hoje e guardo na memória como um abraço. Não posso esquecer também que hoje em dia não gosto tanto assim de salsichão durante o churrasco porque era basicamente isso que eu comia (e exagerava) todos os finais de semana: meu avô comprava porque sabia que eu gostava. Porque queria me ver feliz.
Apesar de não dividirmos uma rotina diária, eu e meu avô dividimos o dia do aniversário, que aliás é o meu número da sorte. Ele é a inspiração e exemplo de tanto trabalho, de nunca parar no mesmo lugar. Quando meu avô morrer, vou saber que ele foi a pessoa fundamental para que eu soubesse o que é ser criança. E que ele fez tudo aquilo que conseguiu para continuar em pé depois que a minha avó se foi. Talvez não tenha sido o que ele queria fazer, mas foi o que deu pra fazer. E pra todos nós foi o suficiente.