Assisti recentemente à releitura do clássico Pinóquio. A versão italiana, que traz uma história muito mais sombria do que aquela narrada pela Disney, acompanha os sucessivos erros do boneco de madeira durante a sua saga para encontrar o pai. Por mais que a ideia de um tronco de madeira lapidado dar vida a uma marionete falante seja fantasiosa demais, o realismo está presente em quase todas as cenas, evidenciando a ingenuidade de Pinóquio e a maldade e egoísmo que o ser humano cultivou ao conviver em sociedade.
A fórmula usada no longa funciona tão bem que o que menos importa é crer ou não em um menino-boneco esculpido por um pai solitário. O filme não oferece nem um curto tempo para questionarmos se tudo não passa de um delírio de Gepeto, até porque a realidade apresentada choca muito mais. Para exemplificar, em uma das cenas Pinóquio frequenta a escola e não sente nada ao apanhar de uma vara de marmelo do professor, em uma metáfora ao fato de que nem sempre sentimos no corpo, e sim do lado de dentro.
Tudo isso me fez pensar sobre a pressa de ser quem somos. Pinóquio quer tanto ser um “menino de verdade” que, quando consegue, o filme termina (acredito que isso não seja um spoiler a essa altura). Quer dizer, durante duas horas o boneco sofre com os próprios tropeços por não enxergar a maldade no próximo, ao mesmo tempo em que tem um amor incondicional pelo seu criador. Pinóquio sente e não sente. Ao se tornar um menino, o filme termina sem apresentar a melhor parte: o que muda ao nos reconhecermos, enfim, como humanos, responsáveis pelas consequências das próprias escolhas?
Talvez seja exatamente nesse fim-sem-fim que resida a graça da história – assim como as metáforas com animais espalhadas ao longo do filme. A esperança alimentada é a de que Pinóquio não se torne só mais um menino dentre tantos outros, uma vez que a sua ingenuidade permitiu que ele conhecesse tudo aquilo de pior que podemos ser. Outro ponto interessante é que o estranho não causa desconforto, já que, durante a jornada, em nenhum momento os personagens questionam o fato de Pinóquio ser um boneco de madeira que anda e fala como um menino de verdade. É como viver em um mundo paralelo e ideal onde o diferente não soa como absurdo.
Pinóquio não é um filme que apela para o drama. Pelo contrário, a vontade de fazer refletir é nítida e a obra escancara o que há de melhor e pior dentro de nós. A urgência de sermos aquilo que nos é imposto, sem refletir se já não somos exatamente quem gostaríamos de ser – ou, no mínimo, se quem somos já não nos basta – resiste ao tempo. Neste caminhar em busca do autoconhecimento, tropeçamos sem necessariamente machucar o corpo, até porque o aprendizado reside na alma. O amadurecimento é uma transformação constante e, assim como as maldades feitas ao boneco, não é porque ele não as enxerga que elas não existam – até porque, o evoluir é transparente.