Às vezes fico pensando sobre os danos que carrego comigo. Acumulados ao longo da vida, posso dizer que alguns deles já fazem parte de mim. E não, não há do que se envergonhar: sei que de alguma forma eles contam a minha história, por mais que, sim, teria sido melhor nem tê-los conhecido.
Na minha testa tem uma cicatriz de quando eu era criança e voei para debaixo de um skate, mesmo sem entender até hoje como isso é possível. Nas minhas costas, carrego uma curvatura ocasionada pela timidez que foi a minha melhor amiga durante anos. A postura encurvada foi a saída de emergência que encontrei para driblar a vergonha que sentia ao caminhar diante do olhar dos outros. Dentro do peito, quem habita é a ansiedade. Sabe-se lá quando a adquiri, se foi culpa minha ou da genética mesmo. Acontece que ela é minha, e não são poucas as vezes em que ela se manifesta.
Já tentei me livrar de tudo. Pensei em fazer RPG para abandonar a curvatura das minhas costas; comprei uma malha modeladora que supostamente seria a santa milagrosa para a minha postura; já pensei em fazer algumas plásticas e provavelmente tomei mais remédios do que deveria. E quer saber? Nada funcionou. Eu continuo com os meus danos, e a cada dia eu passo a acreditar mais ainda na ideia de que eles são danos permanentes.
Li esses dias que cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, afinal, nós nunca sabemos qual deles nos sustenta. A ideia é de Clarice Lispector, e eu a comprei com plena consciência. Os meus defeitos são meus, e enquanto eles não prejudicarem ninguém (me incluo nessa), é bom deixá-los aqui, quietinhos. São feios? Sim, a maioria. Mas nenhuma cicatriz que eu conheci até hoje era linda, apenas admirável.
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