As águas passam, as questões ficam, e vamos processando os detalhes do frenesi vivido. E uma das imagens mais impactantes, muito exibida pela mídia, mostrava Porto Alegre inundada nas imediações do prédio do Instituto de Previdência do Estado, cuja lateral abriga o Mural Lutz. Sim, é aquele mural vertical de 50 metros que retrata o ambientalista porto-alegrense José Lutzenberger (1926-2002), pintado pelo artista Kelvin Koubik em 2022. Entre bromélias e borboletas, Lutz mira de perto um passarinho cardeal pousado em seu indicador. É uma imagem de amor e respeito entre o homem e a natureza, em tudo contrastando com o que a enchente revelava em violência e destruição.
A cena me tocou também por uma associação astrológica. Em 2017, no Simpósio Internacional de Astrologia, no Rio de Janeiro, apresentei a palestra Os Uranistas Estão Chegando, na qual enfoquei o destaque do planeta Urano em mapas de personalidades visionárias em questões relacionadas ao corpo livre e à natureza. A partir do mito grego da união de Urano, o céu estrelado, e Gaia, o feminino terreno, e do desequilíbrio que culmina com a castração de Urano, refleti sobre urgentes temas atuais — da sexualidade à ecologia. E José Lutzenberger, por seu pioneirismo na temática ambiental, foi uma das figuras cujo mapa natal analisei.
O sagitariano Lutz tinha Urano na parte mais elevada do céu, em aspecto com o Sol. Além disso, o regente de seu signo, Júpiter, estava em Aquário, regido por Urano. Sua visão cósmica uraniana obrigatoriamente passava pela reconexão com a natureza. Dizia ele: “Devemos compreender que a Ecosfera é uma unidade funcional onde todas as peças são complementares de todas as demais”. Ou seja, nenhum dano é apenas local. E concluía: “Tudo está ligado com tudo”. Não por acaso, um dos grandes legados de Lutz foi a Fundação Gaia, atuante na educação ambiental e na busca de soluções para uma sociedade mais sustentável. À luz do mito, e fiel à luz de Lutz, já não dá mais para o progresso de Urano seguir desvinculado da natureza de Gaia.
A imagem do lindo painel contra o horror da enchente também me fez pensar no atual ciclo de Urano, retornando à posição em que estava quando da fundação oficial de Porto Alegre, em 1772. Urano tem uma translação de aproximadamente 84 anos. Isso significa dizer que o planeta está fechando agora sua terceira volta desde a fundação da cidade — sendo a segunda volta na época da enchente de 1941. E isso em Touro, um signo de terra, ligado ao uso dos recursos naturais e à economia.
Se buscarmos o contexto do primeiro retorno de Urano, entre 1855 e 1856, o destaque será a terrível epidemia de cólera que dizimou milhares na capital gaúcha. No site do Arquivo Histórico de Porto Alegre, em texto de Thiago Arend, consta: “Estradas eram fechadas, aterros surgiam com uma velocidade surpreendente, casas comerciais e praças eram muradas. Comerciantes pediam autorização para manter seus comércios ativos. Enquanto isso, agentes sanitários ligados ao serviço policial eram designados para a fiscalização das condições mínimas de salubridade nos negócios, praças e casas”. Motivo reconhecido da epidemia: o inexistente saneamento, a péssima relação com o lixo e as águas.
É fato: os retornos de Urano têm coincidido com trágicos desafios para Porto Alegre. Ou seriam abalos despertadores para uma relação mais equilibrada entre o homem e o ambiente? Essa prosa segue na próxima crônica. E adianto: há conexões entre os mapas da cidade, de Lutzenberger e do Brasil.