Eu devia começar falando objetivamente da conjunção entre Júpiter e Urano no signo de Touro, que se torna exata neste sábado, mas a própria dinâmica desse encontro planetário sugere que eu subverta o óbvio e, de algum modo, surpreenda. Então, ao invés de tentar decifrar o vindouro, vou retroceder à tragédia grega Prometeu Acorrentado, escrita por Ésquilo em torno de 470 a.C.
Nesse texto clássico do teatro, encontramos o titã Prometeu preso por correntes a uma rocha, a mando do deus supremo, Zeus, pelo delito de ter roubado o fogo divino e o entregado aos mortais. Com o fogo, antes privilégio dos deuses, a humanidade conquista a civilização. Mais: alcança uma consciência superior e a liberdade para criar o próprio destino. Assim, a antiga hierarquia do mundo fica abalada.
Prometeu é mais que um benfeitor da humanidade. Versões do mito o apontam como o próprio criador dos homens, modelando-os da argila. Seu nome significa “o que vê antes” ou “pré-visão”, donde se associa a esse titã a condição de visionário e de símbolo do uso da inteligência e da criatividade a favor da vida. “Todas as artes dos mortais vêm de Prometeu”, assume o próprio personagem, no texto.
Seu rigoroso senso de justiça, que antes o motivou a ajudar Zeus (Júpiter) a destronar o tirano Cronos (Saturno), também o impele a agir contra as arbitrariedades do primo Zeus quando este assume o poder. “Tão logo ele sentou no trono paterno, dividiu os privilégios entre os diferentes deuses e fixou as castas em seu império. Mas não demonstrou qualquer consideração pelos infelizes mortais”, revolta-se Prometeu.
Claramente percebemos as conotações sociais e políticas desse confronto mítico entre um engajado defensor dos oprimidos e o poder estabelecido. Eis a origem da expressão “espírito prometeico”, que ilustra posturas libertárias, inventivas, revolucionárias e sempre questionadoras do status quo e das tradições. O fogo de Prometeu se identifica tanto com descobertas da ciência e novos caminhos da arte quanto com a centelha de consciência coletiva que costuma gerar amplas mudanças sociais.
Nunca antes o espírito prometeico esteve tão evidente quanto no contexto da descoberta do planeta Urano, em 1781. Revoluções, independências e invenções, que tomaram forma ali, mudaram o mundo para sempre. E sempre que o irreverente Urano está em relevante posição no céu, é como se o fogo de Prometeu se alastrasse por sobre a humanidade, feito um impulso para embates em prol de um futuro mais justo. Já quando Urano se alinha com o expansivo Júpiter, como agora, repetindo um ciclo de 13 a 14 anos, a iluminação prometeica vai além no quesito expansão. O fogo vira fogaréu.
Sim, o novo sempre vem, como diria Belchior. A propósito, encontrei uma antiga entrevista com ele, que fiz em 1997, bem quando Júpiter e Urano estiveram alinhados em Aquário. Belchior se disse identificado — veja só — com a figura de Prometeu! E reafirmou sua desobediência inata: “Continuo não aceitando a salvação prometida por lideranças, por pastores e pelo poder estabelecido”. Assim como Prometeu, disse mirar sempre o futuro: “Sigo sempre em frente, nego o mito do eterno retorno”. E para não deixar dúvidas sobre seu amor à humanidade, apontou o rumo das urgentes mudanças: “Em direção à democracia e à cidadania”.
Na tragédia de Ésquilo, Prometeu cita outra dádiva sua aos mortais: “Concedi-lhes imensa esperança no futuro”. Agora, a chama prometeica está outra vez no ar — e que bons ventos a mantenham acesa.