Dias atrás, saí em bando para ver surgir a Lua cheia de dentro do mar. Era uma superlua, a situação em que o nosso satélite está em seu ponto de maior proximidade da Terra e parece maior que o normal. Astronomicamente, é quando a Lua atinge o chamado perigeu, em sua órbita elíptica. Embora este não seja um fenômeno raro, costuma virar notícia. A palavra superlua atiça o imaginário popular, reativando o ancestral fascínio pela senhora da noite. E ver o luar — no mar, no mato, na montanha ou mesmo num quintal urbano — se torna um programa quase obrigatório.
Corre o tempo, muda o mundo, só não muda nosso assombro ao vislumbrar um luar radiante. Não cansamos de admirar a Lua porque essa experiência toca nossa porção instintiva. Ainda que os olhares de agora sejam mediados pelas câmeras dos aparelhos celulares, o foco segue sendo o mistério maior em torno de um astro bailarino que some, ressurge aos poucos, se exibe inteiro, até sumir de novo, até surgir de novo. A Lua nos lembra, com seus ciclos mensais, que a vida dança continuamente em fins e recomeços. Mesmo que a gente não processe essa informação racionalmente, os instintos a reconhecem e agradecem.
Ver o luar tem uma certa função curativa em nossa vida plena de neuroses. Tantos estímulos e tanta sofisticação nos alienam do mais natural em nós. Por isso gosto quando uma superlua vira notícia e reúne mais gente para vê-la. De tão antiga, a Lua nos renova emocionalmente. Como na canção, “quem diz que a Lua é velha, mente”. Aliás, de tão necessária, costuma invadir as canções, como um dos temas mais comuns. O canceriano Gilberto Gil, regido pela Lua, já cantou e decantou a magia lunar. A Gente Precisa Ver o Luar, ou simplesmente Luar, foi título de música e de disco em 1981. E o que tento aqui comentar está lá, na canção.
Começa assim: “O luar / Do luar não há mais nada a dizer / A não ser / Que a gente precisa ver o luar”. Sim, o que falta ser dito sobre esse espetáculo tão comum que já não tenha sido dito em incontáveis produções culturais? Mas o quântico Gil subverte o óbvio e cria algo novo, do mesmo modo como o rotineiro luar se recria a cada olhar nosso. “Se a gente não vê, não há”: luar e visão existem um em função da outra. Então, “já que existe Lua / Vai-se para a rua ver / Crer e testemunhar”. Assim, que se saiba onde está o luar, pois a gente precisa ver o luar.
Em comentário sobre a composição, Gil explica que “o luar só existe porque os olhos precisam vê-lo: ele é uma criação do olhar”. Em sua reflexão filosófica, Gil se aproxima da essência da Lua no jargão astrológico — nossa ligação instintiva com a natureza. Ainda que sejamos consciência, psiquê e cultura, a “natureza sempre retorna, sempre retoma o seu lugar, sempre cobra, sempre exige que sejamos aderentes, adeptos, parte fundamental dela”. Apartados em apartamentos, já não vemos o luar, daí a força do seu apelo. E nos atuais tempos de ilhas tecnológicas e vivências virtuais, que seja a magia do luar, filtrada pelos celulares, um uivo lupino que nos reconecte à vida natural.
A superlua foi a vedete da semana nas redes sociais, entre imagens lindas e depoimentos emocionados. Mais uma prova de que a gente precisa ver o luar. Para reencantar um mundo que anda cínico demais. Para acordar o olhar e os demais sentidos para o esplendor da beleza.
Para fazer pulsar a veia romântica que exalta o sonho e o amor. E para lembrar que somos vida e seguimos vivos.
Outras superluas virão logo, em 1º e 31 de agosto.