No dia 26 de outubro de 1942, quando soava a ave-maria na cidade do Rio de Janeiro, a empregada doméstica Maria do Carmo deu à luz um menino, negro como ela. Era mais uma mãe solteira, abandonada na gravidez pelo namorado. Graças à mútua afeição entre Maria e a família para a qual trabalhava, ela não fora demitida com a maternidade, como era comum. Os patrões caíram de amores pelo guri e, mais que todos, a mocinha Lilia. Mas durou pouco esse feliz arranjo. Aquele Sol natal em Escorpião com Plutão no fundo do céu sugeria provações intensas.
O moleque nem tinha dois anos quando a mãe morreu de tuberculose. E ele foi viver em Juiz de Fora com a avó materna. Oh, tristeza! Fez-se noite no viver de Lilia e também no do pequeno apelidado de Bituca. Um dia, já casada com Josino, Lilia teve um pressentimento: Bituca não estaria nada bem. Decidiram viajar para vê-lo, com a intenção de adotá-lo. Sim, o menino estava magérrimo e doente. A avó concordou na hora com a adoção: não havia como negar a alegria nos olhos do guri e de seus novos pais. E assim começou a história do gênio da música Milton Nascimento, que chega aos 80 anos.
A nova família foi morar na mineira Três Pontas. Lilia era professora de música, e os primeiros brinquedos de Bituca foram uma gaita de boca e uma pequena sanfona. Só não esperava ela que o filho fosse tocar os dois instrumentos ao mesmo tempo, já misturando os sons sem que ninguém o ensinasse, ou que fosse emitir com sua voz cristalina as notas impossíveis de tirar na sanfoninha quando a acompanhava nas cantorias das igrejas. Já eram mostras do rítmico signo ascendente em Touro e da inventiva Lua geminiana de Bituca, conjunta a Saturno e Urano. Quando a carreira musical se impôs, ele determinou-se a não copiar ninguém. Deu no que deu: nesse artista imenso, admirado por outros imensos mundo afora.
Milton Nascimento traz no corpo a marca da gente brasileira, que cedo aprende a ter raça, a ter gana de viver, a ter fé na vida. Nascido sem pai na favela carioca, ele foi salvo pelo amor entre as montanhas mineiras. Entre realidade e transcendência, revelou a grandeza do seu povo – Povo da Raça Brasil, para citar uma canção sua. Sem deixar de aferroar as injustiças, preferiu sempre, como luminoso escorpiano, apontar os caminhos da cura, do afeto, do melhor do humano. Elis Regina dizia que ele compunha as músicas mais ensolaradas do Brasil. E dizia também que, se Deus cantasse, teria a voz de Milton.
Embora tenha feito música e letra em obras magistrais – como Canção do Sal e Morro Velho –, Milton sempre se cercou de notáveis letristas, que verteram em imagens líricas seus tons e sons geniais. Ele nasceu com quatro planetas no signo de Libra: adora as partilhas, é um agregador de gente. Ronaldo Bastos e Fernando Brant foram os seus mais constantes parceiros. Com o primeiro, nos deu hinos como Cais e Nada Será como Antes. Com Brant, fez outros clássicos como Travessia e Maria, Maria. E ainda compôs com Caetano, Chico, Gil...
O coração de Bituca é feito um amoroso clube numa esquina por onde se cruzam todas as direções de um mesmo sonho de Brasil feliz. Seu disco Clube da Esquina, de 1972, em parceria com Lô Borges, chega aos 50 anos como um dos mais importantes da história da MPB. Milton agora roda o mundo com um show comemorativo que deve encerrar suas apresentações em palcos. Em toda parte, ele colhe o amor que semeou. Então, que o Brasil faça por merecer esse presente do céu e o guarde no lado esquerdo do peito.