Sou da turma que maratonou a série The Sandman logo no primeiro dia de seu lançamento pela Netflix. Isso porque também sou da turma que leu, no anos 1990, a obra completa em quadrinhos do escritor inglês Neil Gaiman sobre o senhor dos sonhos. A série segue campeã de audiência em muitos países, não somente por conta de fãs antigos como eu, mas porque toca em eternos anseios e pulsões coletivos. Depois de muitas tentativas de adaptação das tantas histórias para o audiovisual, Sandman encontrou, finalmente, não apenas as condições técnicas para sua realização como série como também um público carente de reconexão com o universo onírico após tempos de realidades cruas e duras. O sonho não acabou – ainda bem.
Podemos refletir astrologicamente sobre Sandman e seu contexto. A primeira publicação veio a público em 29 de novembro de 1988. No céu, o Sol conjunto a Mercúrio em Sagitário indicava uma narrativa pronta a expandir-se, ligando mundos, porque já o fazia no próprio enredo. Neil Gaiman centrava a trama em torno de Lorde Morpheus, o senhor imortal do sono e dos sonhos. Recriava ali temas oriundos de velhas mitologias e tradições religiosas. Sandman, ou homem de areia, na tradução, seria o ser mágico que espalha areia nos olhos mortais, levando-os a dormir. E nas possibilidades infinitas do mundo onírico, deuses, demônios, heróis e monstros teriam livre acesso em tramas impactantes. Como não se deixar entorpecer por essa areia encantada?
No mapa da primeira edição de Sandman, há uma conjunção tripla entre Urano, Saturno e Netuno. Isso indica que as fronteiras do real e tradicional, relacionadas a Saturno, estariam sendo abaladas por ondas de mudanças ligadas aos astros mais distantes. Só para lembrar do entorno: logo mais cairia o Muro de Berlim, num efeito dominó de muitas outras quebras e dissoluções que mudariam o mundo. Na arte, a estranha revista em quadrinhos sobre seres fantásticos em contato com o reino dos mortais falava da mesma coisa – de um universo mais complexo do que o das velhas estruturas. Na netuniana fábrica de sonhos que é o cinema, 1988 também foi o ano de filmes que misturaram o real e a fantasia, como Os Fantasmas se Divertem e Uma Cilada para Roger Rabbit.
Netuno, o astro do sonhar, já aparecia destacado no mapa natal do criador de Sandman. O escorpiano Neil Gaiman nasceu com uma conjunção entre Mercúrio e Netuno também em Escorpião. Com Gêmeos no ascendente, Gaiman tornou-se um brilhante contador de histórias. Sua imaginação ampliada resgatou velhos arcanos e arquétipos e reverberou esses conceitos, com espertos toques de psicanálise, no mundo atual. Em outro sucesso seu, Deuses Americanos, revemos esse aspecto no confronto entre antigas divindades e outras modernas. Gaiman é rei na fantasia pop e antenada.
E então chegou a vez de Sandman aparecer para o planeta inteiro numa plataforma de streaming. O sonhador Netuno, em seu próprio signo, Peixes, faz tempo vem borrando as fronteiras entre o real e a ficção. No Brasil, então, que é do oposto signo, Virgem, essa dissolução tem instalado a alucinação e o fanatismo em muitas mentes. Aliás, Neil Gaiman já comentou que o Brasil foi o primeiro país a aceitar Sandman desde o início. Sabemos bem da ação de Sonho e seus irmãos imortais na nossa realidade: Morte, Destruição, Delírio, Desespero, Desejo e Destino. E em tempos de pesadelos à solta, é bom saber que, ao menos na arte, o mestre dos sonhos retomou seu poder.