Porque o sábado já amanheceu com o Sol a transitar pelo céu de Escorpião, signo que evoca os mistérios transformadores da vida, dentre os quais o maior de todos, a morte.
Porque a morte tornou-se pauta imperiosa em todos os noticiários – da contabilidade diária das vítimas da pandemia aos necrológios em que viraram as redes sociais.
Porque a sensação geral de apocalipse talvez seja a consumação em sentença final do contínuo adoecimento de nosso modelo de sociedade, como prova o crescimento voraz das farmácias na paisagem urbana.
Porque o adoecimento social, lento e insidioso, conectou-se com um cansaço crônico que, por seu turno, expressa-se em indiferença e alienação, abrindo o palco para o espetáculo macabro da perda da consciência do que é humano.
Porque a desumanização naturalizou-se de tal modo que esconde seu horror e sua conexão com o que há de mais sombrio em cada humano.
Porque aspectos sombrios, devidamente legitimados pela histeria coletiva, passaram a ocupar o lugar da razão e do discernimento, criando o caminho para a afirmação da barbárie.
Porque a barbárie, embora distante dos parâmetros acordados para um projeto de civilização, está sempre a rondar perigosamente as tais pessoas de bem, presas em suas molduras restritivas de moral e ordem.
Porque rígidos parâmetros de moral e ordem costumam embasar sistemas de crenças cujas propagadas boas intenções justificam toda sorte de violências, sem que seus praticantes as percebam como tal.
Porque a busca do transcendente, como alternativa humana diante do medo e da morte, também pode vir contaminada pelo medo da mudança e por anseios de poder, prontos a interditar qualquer olhar diferente ou divergente.
Porque as cegueiras ideológica e religiosa andam mais juntas e indissociáveis do que supõe a frágil consciência de humanos em situação de extremo esgotamento.
Porque humanos estressados e ameaçados, como animais que são, invocam suas defesas mais primitivas e, em nome da sobrevivência, reagem de modo visceral ao que supostamente causa seus males ou bloqueia seus desejos mais mesquinhos.
Porque o ataque visceral ao que contraria os desejos individuais é reação inerente aos instintos humanos, em cujos domínios as pulsões de vida e de morte vicejam em tenso embate.
Porque a trajetória humana sobre esse pequeno planeta parece confirmar a eterna costura entre os fios de morte e vida, amor e ódio, civilização e barbárie, como mostra a história.
Porque a percepção lúcida desse diálogo sempre desperta nos homens de boa vontade a opção pela superação e pela cura, sem as quais a destruição se instala fatalmente.
Porque desde a antiguidade o escorpião simboliza a regeneração do veneno em antídoto, quando o instinto também pode ser fonte da poderosa energia alquímica capaz de sanar tanto o indivíduo quanto o tecido social.
Porque na antiga mitologia do ciclo da vida, simbolizada pelo zodíaco, Escorpião representa a etapa em que devemos no mínimo refletir sobre nosso papel na cura pessoal, da sociedade e do planeta.
Porque o Sol outra vez clareia o céu de Escorpião, justamente quando seus temas atingem a condição de ajustes inexoráveis com nossas sombras – para efeito de purgação rumo ao futuro –, somos todos intimados a pensar em qual contribuição dar a esse processo.
E porque contribuir com o que cura a vida, e a potencializa, como amor, respeito, tolerância, cuidado e união, é o que nos habilita a encher de um significado luminoso nossa curta passagem por esse terceiro planeta ao redor do Sol.